Manipular as palavras é algo fantástico, eu acho. Talvez porque eu sempre tive certa facilidade de lidar com palavras, graças ao gosto pela leitura desde os 12 anos, quando descobri a biblioteca de meu pai, talvez porque usar palavras foi o meu ganha-pão como jornalista, profissão que escolhi quase que como conseqüência das histórias e emoções lidas e vividas em milhares de palavras escritas, talvez porque, me reconhecendo um repórter sem tesão, tenha me dedicado integralmente à editar textos de outros, bons repórteres mas péssimos escrevinhadores.
O fato é que conforme o jeito que as palavras são ditas ou escritas, o pensamento transmitido pode significar um aplauso ou uma vaia ou um monte de besteiras que não querem dizer nada, mas que dão a impressão, para quem lê ou ouve, que seu autor é um sábio ou um grande ser humano preocupado com o bem estar de um povo, com o desenvolvimento de um país.
Num país em que o cinismo é incensado como uma arte política – não há algo mais cínico que programas partidários em que conhecidos ladrões do dinheiro público posam de guardiões da moralidade – é fundamental às pessoas comuns prestarem muita atenção nas palavras ditas ou escritas pelos chamados formadores de opinião, sejam eles líderes políticos, ases do esporte, estrelas da mídia ou das redes sociais ou figuras exponenciais de um setor econômico. Se acreditarem de pronto, sem pararem para pensar, correm o risco de acreditarem e reproduzirem besteiras sem qualquer significância ou, pior, com ocultos interesses escusos.
As redes sociais têm se esmerado como caixas de ressonância destas baboseiras sem qualquer sustança. Tanto que uma figura patética – mas imagética – como o grande macho dos filmes pornôs, Alexandre Frota, junto com um dos líderes dos Revoltados On Line, é recebido pelo ministro interino da Educação, entregando-lhe um conjunto de sugestões para a educação e cultura brasileiras, inclusive a defesa de projetos de lei que buscam evitar “doutrinação ou assédio ideológico” de alunos por parte de professores.
A reboque das redes, a grande imprensa divulga a base das sugestões, na verdade o receituário da chamada Escola Sem Partido, um movimento que se declara apartidário, mas segue todos os princípios ditados pela direita mais ortodoxa, aquela que acha, e prega – manejando devidamente as palavras – que mentes muito abertas são perigosas para a sociedade, pois podem conturbar um ambiente de paz, conformismo e resignação, abençoado por Deus. Evidentemente, nenhuma crítica foi proferida contra o portador da pauta, um dos mais famosos machos de filmes e vídeos de sexo explícito disponíveis em todas as empresas de conteúdo, produtos e serviços da Internet. Nem manipulando muito bem as palavras, seria possível explicar tal heresia!
Mas há boas manipulações… Em seu último artigo, publicado pela grande imprensa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso mostra o quanto é grande nesta arte: “Digo há tempos que o sistema político atual (eleitoral e partidário) está ‘bichado’. Sou defensor das ações da Lava Jato e sei que sem elas seria mais difícil melhorar as coisas. Mas não nos iludamos: sem alguma forma de instituição política e sem políticos que a manejem, não será suficiente botar corruptos na cadeia para purgar erros de condução da economia e da política.”
Traduzindo, em palavras mais accessíveis: ‘Gente… a Lava Jato é linda e maravilhosa, mas já chega! Se ela continuar livre, leve e solta, não vai sobrar político no Brasil… nem eu! E quem vai governar o país? ‘
Outro que maneja as palavras com maestria é Elio Gaspari, um dos ícones do jornalismo pátrio, autor de alentados livros sobre a ditadura militar brasileira, nos quais consegue, mesmo condenando com veemência certos ‘exageros ditatoriais’ como a tortura, glamourizar os generais de plantão. Suas colunas atuais na grande imprensa utilizam as palavras partindo de uma verdade presumivelmente conhecida por todos e confrontando-a com um fato que poucos conhecem, e que pode mudar aquela verdade consolidada.
Em recente coluna, por exemplo, ele quis engrandecer um dos mais tirânicos generais da ditadura, contando esta singela história: “Enquanto Dilma e o PT tentam entender quando a vaca companheira foi para o brejo, vale a pena lembrar que há momentos em que um governante toma uma decisão capaz de engrandecê-lo. Durante o apogeu do milagre econômico dos anos 70, poderosos ministros do general Emílio Médici articularam um projeto de prorrogação do seu mandato. Com censura à imprensa, DOI-Codi e a economia crescendo a 10% ao ano, sua popularidade sempre esteve acima da marca dos 60%. Médici não quis conversa, deixou o governo em 1974 e foi para seu apartamento na rua Júlio de Castilhos, em Copacabana. Mais tarde reconheceria que se livrou de uma boa. “
Em 08 linhas, Gáspari incensa o general Garrastazu Médici, o “governante” que se contrapõe à “vaca companheira” e, mesmo com uma popularidade estupenda, se nega a prorrogar seu próprio mandato, como se isto fosse o supra sumo da grandeza e do espírito público de um homem… São palavras, nada mais que palavras bem manejadas, que não escondem o supra sumo do cinismo!
Last, but not least (o inglês também admite um bom manejo das palavras…), algumas palavras do vice presidente no exercício da presidência, ditas num encontro com seus apoiadores da agro-indústria paulista: “Esse apoio é fundamental porque a partir de certo momento, começaremos com medidas, digamos assim, mais impopulares”. Quer dizer, Sua Excelência, que passou os quase dois meses de interinidade escancarando os cofres públicos para o alto funcionalismo, os parlamentares e, até mesmo, para os menos afortunados bolsistas do Bolsa Família, tentando ‘garantir’, digamos assim, a aprovação do impeachment, avisa a seus apoiadores para não se preocuparem, pois chegará o momento – certamente, depois das eleições municipais – das medidas de arrocho sobre a população, não sobre os apoiadores, claro!
Cinismo? Absolutamente, não! Desonestidade mesmo! Ou melhor: arte política…