Diógenes, filósofo grego, é considerado o mais ostensivo propagador do cinismo, uma filosofia de vida que, em sua origem, significava procurar uma vida que fosse natural e não dependesse das luxúrias da civilização. Acreditava e pregava ele que a virtude estava no ato e não na teoria, significando isto lutar contra as instituições e valores da sociedade grega, que ele achava absolutamente corrupta. Por isso, a imagem que se tem de Diógenes hoje é aquela figura barbuda e maltrapilha, que saía às ruas munido de uma lamparina à luz do dia, eternamente à busca de um homem honesto.
Homens honestos continuam sendo difíceis de ser encontrados hoje em dia, com ou sem lamparina, mas o cinismo sofreu mutações ao longo do tempo e, hoje, segundo os dicionários, significa desfaçatez, impudência, desvergonha, descaramento. Fiquemos com descaramento, que é mais brasileiro, mais próximo de caradurismo, uma imagem que assenta bem ao atual momento vivido pelo Brasil.
Eu disse momento atual mas, na verdade, é algo que se repete ao longo da nossa história. Sinto, hoje, imensas saudades do Stanislaw Ponte Preta, criação imortal de Sérgio Porto, que, nos sufocantes anos da ditadura, criou o Febeapa – Festival de Besteiras que Assola o País, besteiras que continuam nos assolando, especialmente agora que temos um governo de fancaria, a expressão definitiva que o Brasil é, efetivamente, o país do Carnaval…!
Repetindo o último post, observem os exemplos, pinçados de um dia qualquer de leitura de jornais e blogs, e sem adentrar as redes sociais, onde o cinismo é espantoso:
- o Brasil vive um período difícil também na economia. Os últimos números falam em 11,5 milhões de desempregados, principalmente gente que, nos últimos anos, conseguiu subir um ou dois degraus na escala social e conquistou o direito, até, de assinar um plano de saúde para a família. Sabedores que a crise é profunda e pode ser duradoura, a cúpula da Câmara Federal assinou um projeto para permitir convênio na área de saúde, no qual está embutido um artigo que autoriza que o serviço médico da Casa seja usado por cônjuges, pais, filhos e outros dependentes de ex-deputados… Quer dizer, se os ilustres parlamentares forem enxotados de suas cadeiras por seus eleitores, além da sua saúde, que já era garantida, terá, também, a saúde de todos os seus parentes custeada pelo meu, o seu, o nosso suado dinheirinho!
- Com a habitual fanfarra midiática, a Polícia Federal botou na rua nova operação, denominada Boca Livre, denunciando uma quadrilha que atuava há 20 anos junto ao Ministério da Cultura, onde conseguiu R$180 milhões fraudados da Lei Rouanet. Um empresário e seu produtor foram devidamente presos, viralizando nas redes sociais um casamento na badalada Jurerê Internacional de Floripa, bancado com recursos da Lei Rouanet. E não se falou mais nela, por prudência ou impudência… Porque, conforme levantaram alguns blogs sujos, os maiores beneficiários de incentivos fiscais proporcionados pela Lei Rouanet podem ser confundidos, pelo povão desinformado, com picaretas e fraudadores comuns, o que pegaria muito mal…Para entendimento deste povão desinformado, a Lei Rouanet funciona assim: produtores culturais (de filmes, de teatro, de espetáculos, de shows musicais, de acervos…) apresentam um projeto ao Ministério da Cultura, que o analisa e autoriza ou não o produtor a captar um volume ‘x’ de recursos junto à iniciativa privada para custear a produção; o produtor vai atrás e cada empresário que aplicar recursos no projeto, abate tais recursos de impostos a serem pagos ao Governo Federal. Exemplificando: as Organizações Globo possuem uma produtora de filmes e quer filmar a vida do colega jornalista Roberto Marinho. Ela faz o projeto, apresenta ao MinC, ele autoriza a captação de recursos, ela paga a produção, desconta a conta dos impostos e arrecada o lucro com a bilheteria mais os patrocínios e o merchandising feito no filme. Facim, facim… Por isto que entre os seis principais patrocinadores dos recursos captados via Lei Rouanet estão Globosat Programadora Ltda., Globo Comunicações Participações Ltda. e Horizontes Conteúdos Ltda., mais conhecida por GNT, canal de TV a cabo da Globo, que são absolutamente corretos em suas práticas comerciais, não é mesmo? Assim como boa parte dos institutos e fundações privadas do país financiados pela Lei Rouanet, como o Itaú Cultural, Alfa, Natura, Vale, IBM e até o Instituto FHC. 3. Ainda neste palpitante caso da Lei Rouanet: o que ficou marcado pela cobertura da grande imprensa foi o tal casamento bancado por ela, a Lei, na mais chiquitíssima praia de Floripa. O vídeo com a festança viralizou nas redes, mas a grande mídia não se preocupou em ir atrás dos fatos de fato, ficando na pirotecnia casamenteira. A revista Forum foi e descobriu alguns aspectos interessantes no fato: o casamento foi promovido pela J2A Eventos, que desvia verbas da Lei Rouanet para promover festas privadas e casamentos, inclusive o do vídeo viralizado. Seu sócio diretor, Júlio Plácido, é assíduo das redes sociais, onde posta xingamentos e ofensas a Dilma, Lula e ao prefeito Hadad, por considerá-los ladrões de dinheiro público! Há posts dele pedindo que Lula seja assassinado e chamando Dilma de vaca e imagens dele vestido de verde-amarelo em passeatas de apoio ao golpe e contra a corrupção. Semvergonhice pura!
- Logo depois que os peritos designados pela Comissão de Impeachment do Senado divulgaram o relatório da perícia, no qual confirmaram que a presidenta afastada não deu “pedaladas” e nem cometeu dolo ao assinar decretos de liberação de recursos, um dos peritos, Diego Prandino Alves, afirmou à grande imprensa que o laudo feito pela junta de peritos “não isenta Dilma Roussef do episódio das pedaladas fiscais”.
“A perícia não isenta ninguém de responsabilidade. Não encontrou indício ou evidência de que ela (Dilma) tenha participado ou contribuído para os atrasos (de repasse do Plano Safra), mas não tem como averiguar se houve algum tipo de omissão, isso fica a cargo dos senadores”, afirmou o servidor de carreira, lotado na Consultoria de Orçamento do Senado.
Era inevitável sua afirmação. Quando da formação da junta de peritos, Prandino fora indicado pelos senadores favoráveis ao impeachment para chefiá-la, mas seu nome foi vetado pelos contrários por causa de posts escritos por ele nas redes sociais que demonstravam sua postura anti-petista. O presidente do STF e da Comissão, Ricardo Lewandowski, foi salomônico em sua decisão: permitiu a permanência do perito na junta, mas indicou outro para presidi-la.
Indubitavelmente vencido em suas posições na junta pericial que analisou toda a documentação técnica referente às acusações à presidenta, Prandino, que dizia, nas redes sociais, coisas tais como “Querem ser levados a sério? Tirem essa roupa vermelha. Nossa bandeira sequer tem vestígios dessa cor”, tinha que marcar posição fora dela. Se foi cínico bastante para participar de uma perícia técnica já tendo escolhido um lado antes, porque não manteria o cinismo depois, tentando suavizar o teor da perícia que assinara com os demais peritos?
Enquanto recolhia estes edificantes exemplos da atual podridão ética nacional, centenas de outros estão sendo divulgados diariamente. Acho que vou ter que abrir uma aba específica neste blog apenas para mostrá-los. Infelizmente!