“Sem prender Eduardo Cunha, não deveria ser permitido prender mais ninguém no Brasil”. Li esta frase outro dia no http://www.blogdacidadania.com.br/, do Eduardo Guimarães. Eu vou além: sem prender Cláudia, a mulher do Dudu Safadão, não deveria ser sequer cogitada a prisão de mais ninguém no Brasil.
Eu sei que vivemos um momento raro na história do Brasil: afinal de contas, poderosos senhores, empresários, políticos, eternos manipuladores do dinheiro público, estão sendo presos sem qualquer compaixão… Mas, estarão mesmo? Ou estão apenas dourando a pílula da justiça cega e justa para todos, enganando, como sempre, a credulidade do povão?
Quando eu era estudante de jornalismo, no final da década de 60, gostava muito de um professor que olhava para aqueles jovens entusiasmados, prenhes de vontade de denunciar crimes nunca desnudados pela grande imprensa, e pontificava: “gente, o país tem dono! O veículo em que vocês vão trabalhar tem dono! Não se iludam! Tudo na vida é um jogo de interesses… vence, sempre, quem consegue atender melhor tais interesses!
Quase 50 anos passados, o aviso continua valendo. A diferença, acho, é que este jogo, agora, é jogado às claras… Parece-me que as pessoas que se mostram ao país – governantes, políticos, a mídia, o poder econômico que, normalmente, puxa os cordões da vida de todos e de cada brasileiro, bem como todos aqueles que, de um modo ou de outro, aparecem na mídia ou nas redes sociais dando o ser recado – resolveram praticar o cinismo em seu mais alto grau, aquele em que você faz, e diz que faz, apenas o que é melhor para você, não estando nem aí se seu ato vai afetar alguém perto de você ou milhares de pessoas que, você sabe, serão prejudicadas por este ato.
Observem os exemplos, pinçados de um dia qualquer de leitura de jornais e blogs, e sem adentrar as redes sociais, onde o cinismo é espantoso:
- José Antunes Sobrinho, um dos donos da Construtora Engevix, mais uma enredada nas falcatruas levantadas pela Lava Jato, por obra e graça desta, está preso em Curitiba. Como tantos outros, quer merecer as benesses da delação premiada. Então, numa prévia, a revista Época, das Organizações Globo, publica que o empresário quer dar detalhes de como “supriu as necessidades” de R$ 1 milhão do atual presidente em exercício, Michel Temer, através de uma subcontratação nas obras da usina nuclear de Angra 3. Mas, os procuradores se recusam a aceitar a delação… deixando clara a intenção das delações acolhidas até agora: se não atingem o governo petista, não vêm ao caso! É o mesmo princípio utilizado antes do acolhimento do impeachment pela Câmara de Deputados: o senador Aécio Neves foi citado várias vezes por delatores, mas o Procurador Geral da República arquivou todas as denúncias contra ele, aceitando uma primeira só depois que os deputados votaram pelo impeachment.
Apesar de difuso, o cinismo é evidente: o primeiro adversário ainda está de pé; Dilma, Lula e o PT ainda podem voltar. É preciso enterrá-los definitivamente, para depois pensar nos outros obstáculos.
- a senadora Rose de Freitas, líder do governo interino no Congresso Nacional, foi muito direta (e cínica) em entrevista para a Rádio Itatiaia, de Belo Horizonte: “Porque o governo (Dilma) saiu? Na minha tese, não teve esse negócio de pedalada. Eu estudo isso, faço parte da Comissão de Orçamento. O que teve foi um país paralisado, sem direção e sem base nenhuma para administrar. A população (?) não queria mais e o Congresso não dava a ela os votos necessários para tocar nenhuma matéria. E o país não podia ficar parado”.
Ou seja, uma senadora da República, que votou pela admissibilidade do impeachment, reconhece publicamente que o motivo legal para ele não existe… Existe, apenas, uma vontade política de grupos que sabem que, pelo voto, não conseguirão assumir o poder novamente, suficiente para mandar a Constituição à p…* que pariu!
- Na verdade, ela apenas repercutiu, crua e cinicamente, o que o próprio vice-presidente, no exercício da Presidência, havia dito enviesadamente, em entrevista a um programa da Globo News, quando perguntado sobre a restrição de viagens da presidenta afastada em aviões da FAB: “E ademais disso, pelo que sei, a senhora presidente utiliza o avião, ou utilizaria, para fazer campanha denunciando o golpe”. Temer, um dos grandes beneficiários (por enquanto), chama o impeachment de golpe e ninguém fica ruborizado com isto, nenhum jornal da grande imprensa faz um editorial furibundo a respeito dos riscos à democracia…
- Segundo reportagem de Daniela Lima na Folha de São Paulo, “a força-tarefa da Lava Jato incluiu em todos os acordos de leniência que está negociando, uma cláusula que determina o repasse aos órgãos responsáveis pela investigação de até 20% do valor das multas pagas pelas empresas.” Ou seja, os novos heróis da classe média brasileira, os procuradores, policiais e juiz da força-tarefa que compõem a Lava Jato, aprovam um acordo de delação com um ladrão de milhões e milhões de reais de uma empresa pública, ele promete devolver o dinheiro roubado (uma parte, claro, que ninguém é de ferro) para receber uma pena de prisão domiciliar, e até 20% do dinheiro devolvido não volta para a empresa roubada, mas para o fundo à disposição da força-tarefa… Para quê? Em março último, numa reunião em Paris, Rodrigo Janot, o PGR, afirmou que “a operação Lava Jato… permitiu recuperar até o momento 1 bilhão de euros (cerca de R$ 4,2 bilhões), sendo que R$ 840 milhões já foram repatriados por meio de acordos de colaboração internacional.” A destinação destes percentuais para o combate à corrupção é imprescindível, acha um dos procuradores midiáticos da Lava-Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima, vez que “o poder público anda em carroça, enquanto o crime organizado possui uma Ferrari.” Meus crédulos botões me interrogam: quantas Ferraris dá para comprar com as multas arrecadadas até agora? Ou quantos escritórios policiais, como o de Curitiba, dá para mobiliar?
- Proposta uma questão em uma prova oral do Ministério Público do Rio de Janeiro, um jovem promotor narrou um caso de estupro coletivo e saiu-se com esta: “Um segura a mulher, o outro aponta a arma; outro guarnece a porta da casa, o outro FICA COM A MELHOR PARTE, dependendo da vítima. Faz a conjunção carnal”. Vazado o comentário, ele tentou justificar o cinismo, dizendo que “ficar com a melhor parte” era, apenas, expressão do pensamento do estuprador e o adendo “dependendo da vítima” era explicável porque a estuprada podia ser uma lutadora de artes marciais… Mais cínico, impossível, especialmente se ficamos sabendo de outro trecho de sua prova, divulgada pelo O Globo: “se um estuprador ejacula cinco vezes, é um herói!” Infelizmente, apesar de intensa busca, não consegui descobrir se este cínico promissor tornou-se procurador do MP/RJ. Sem dúvida nenhuma, formaria uma boa dupla com aquele outro de Rondônia, que, por princípio religioso, agredia física e psicologicamente a mulher, além de aprovar seu cárcere privado.
Eu disse, lá no início, que sem a prisão da mulher do Dudu Safadão, não se devia nem cogitar da prisão de qualquer outra pessoa… Não há nisso, a exemplo de promotor e procurador supra citados, qualquer anti-feminismo militante ou misoginia de minha parte… Apenas acho que se a cunhada do Vacari, tesoureiro do PT, recebeu voz de prisão ao ser confundida com a irmã, bem como a mulher do marqueteiro João Santana foi e continua presa, qual a razão para não prenderem dona Cláudia, já denunciada por alguns crimes em parceria com seu marido? Ou será que mulher de presidente da Câmara também goza de imunidades constitucionais? Aliás, por que a grande imprensa nem toca neste assunto?
O cinismo, realmente, está em alta!