– Well, é verdade… Se me permite uma pergunta, porque quer saber quem sou eu, se vo… o Senhor já sabe tudo?
– O que eu sei sobre você não interessa aqui… o que interessa é saber o que você sabe sobre você e qual é, agora que você está devidamente desencarnado e sem topete, à frente do Todo Poderoso de fato, e não aquele que você imaginou ser um dia, o que você acha que fez de sua vida…?
– Well… Eu fui o poder! Algo que quase nenhum dos seres humanos, estas criaturas inofensivas, pusilânimes, medrosas, quase desnecessárias colocadas por vo… pelo Todo Poderoso para povoar a Terra, consegue ser. Eu fali, fui abandonado pela mulher, fui expulso de Wall Street, mas não fiquei lambendo a sarjeta… me reergui, me tornei magnata de novo e, mais ainda que isto, me tornei apresentador de programa de televisão, um programa que foi vendido pro mundo todo… e assumi o maior partido político do Ocidente, derrubando medalhões e até ex presidentes dos Estados Unidos, a maior nação do mundo!
– É… eu tendo a concordar com você: depois de séculos da Criação, ser humano bom é ser humano morto, certo? E esta palavra ‘derrubando’ combina bem com você… Nada existe à sua volta além de você, só Donald John Trump!
– E existe algo à volta e além do Senhor? Não é isto o poder? E no seu… no caso do Senhor, não é o poder absoluto?
-Era o que você queria alcançar, não é mesmo? Esta história de perder a reeleição por mais de 07 milhões de votos humanos e bater o pezinho, fazer cara de mau e tentar anular eleições legítimas e insuflar seus ‘patriotas’ imbecis a invadir o Capitólio e matar congressistas é absolutamente…
– Eu não insuflei ninguém! As eleições foram fraudadas e os patriotas da grande América se revoltaram contra o ‘stabilishment’!
– Mas você é o próprio ‘stabilishment’…!
– Engana-se, Senhor, eu sou a Amércia!
Deus deu um grande suspiro, armou-se de uma infinita paciência – Ele era capaz disto, também – e ecoou:
-Está bem… Você é a América. Então, vamos ver o que a América fez neste últimos 04 anos terrestres. Trump levantou o queixo, murchou a barriga e estufou o peito e falou, tentando manter o mesmo tom de Deus:
– Voltou a ser a América e mudou o mundo! A risada de Deus foi espontânea e explosiva e durou um bom tempo. Daí, ficou em silêncio e ficou olhando aquela figura patética à seus pés e pensando em algo que seu filho Jesus havia lhe dito dois séculos atrás, que fora relatado por Lucas (23.34):
“Do alto da cruz, Jesus olhou os policiais que o tinham torturado, humilhado e pregado na cruz. Viu mais adiante o povo que havia gritado “Crucifica-o! Crucifica-o!”. Olhou os moradores de Jerusalém assistindo o “espetáculo” e que apoiavam seus líderes. Viu atrás desses os que se omitiram e nada fizeram. Então ele ergueu seus olhos para o céu e disse: “Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem”. E Deus murmurou:
– Eles nunca souberam… Porque continuo insistindo?
– Até onde eu sei, a América que você diz ter ressuscitado é a América de sempre, baseada numa supremacia branca, que detesta os negros, os hispânicos, os muçulmanos, os não protestantes em geral… É aquela América que divide os seres humanos em milionários e o resto, os primeiros com direito a fazer o que quiserem, inclusive matar, e os segundos sem quaisquer direitos, a não ser trabalhar e morrer, é a América que dizimou nações indígenas e matou mexicanos para conquistar terras e ouro. A América que você tentou – eu disse tentou – impor aos americanos, no tal America’s First, é a América que existe para o mundo há 70 anos, o poder que domina e compra líderes e a elite dos outros países e impõe sua vontade e seus produtos e serviços para povos acoelhados… A sua America’s First conseguiu apenas o horror de reconstruir os muros nazistas e separar hispânicos de seus filhos, devolvendo os pais às suas origens e prendendo os filhos em campos de concentração. Mas, apesar da América profunda adorar você, Donald John, você perdeu… você perdeu!
– Foi uma fraude, shit!”
– Não foi não, Mr.President – Deus também sabe ser irônico – a fraude sempre foi você! E os milhões de humanos, americanos e não, que idolatram o seu poder, logo encontrarão outro ídolo para adorar. Eles continuam sem saber o que fazer…
– Eu me reergui das cinzas uma vez… e voltarei de novo. A gargalhada de Deus foi imediata e retumbante, e deve ter assustado anjos e almas em todo o Céu.
– Você acredita em reencarnação, Donald John? Que você, pela graça do Todo Poderoso, vai sair daqui e retornar à Terra como um Cristo ressuscitado com a missão de salvar a humanidade?
– Eu gostaria muito, Senhor… Eu sou mesmo capaz de fazer isto e gostaria muito de concluir a missão que seu filho não conseguiu realizar. Segurando-se pra não pisar naquela alma apodrecida que ousava acusar seu filho de incompetente, Deus fechou os olhos e pensou na extrema condescendência aliada à infinita compaixão de Maria, sempre pronta a encontrar um indício qualquer, por menor que fosse, de bondade em uma alma desgraçada, capaz de mantê-la no Purgatório por todo o tempo necessário pra ela se purificar e adquirir o direito ao Céu. Ele não era assim. Na sua visão de Criador do Universo e da Humanidade, as almas apodrecidas na Terra tinham um único destino ao desencarnarem, o Inferno. Mas, no caso de Donald John Trump, por mais arrogante, vingativo, desumano e auto-suficiente que fosse, e exatamente por isto mesmo, ele já tinha decidido não chutá-lo pra lá, pois isto agradaria Lúcifer, que daria um jeito de recondicionar sua alma e reinstalá-la em outra liderança humana… e mais seres humanos iriam sofrer por mais um bom tempo. Não! Eu fui louco uma vez, no Dia da Criação… E posso ser de novo, no Dia da Destruição… Mas serei eu o louco, não um verme humano! Por enquanto, ele iria pro Purgatório mesmo, mas Jesus seria proibido de vê-lo. (termina 6ª feira)