Acabei de ver no site da BBC Brasil uma foto aérea de pequeno trecho do bairro Dunas, em Fortaleza, onde fica a residência do corrupto e delator Sérgio Machado, ex-deputado, ex-senador e ex-presidente da Transpetro, e onde ele ficará “aprisionado” pelos próximos 03 anos, punição que recebeu por roubar milhões e mais milhões durante os 11 anos em que foi presidente de uma das empresas da Petrobras.

O acordo de delação aprovado pelo ministro Teori Zavascki diz que Sérgio Machado pegará uma pena máxima de 20 anos, quando condenado, mas cumprirá apenas 3 anos em prisão domiciliar, sendo que deverá permanecer em casa por 2 anos e 3 meses, podendo receber apenas advogados, profissionais de saúde e uma relação restrita de 27 familiares e amigos. Nos 09 meses complementares, poderá sair para prestar serviços comunitários. Além disso (oh! mundo cruel), terá que devolver aos cofres públicos R$ 75 milhões que teria recebido de propina enquanto comandou a estatal, de 2003 a 2014. Do total, R$ 10 milhões serão  pagos até o fim deste mês e os outros R$ 65 milhões até o final do ano que vem (cerca de 360 mil reais/mês, o mesmo valor que os juízes do Paraná receberam por mês  em 2015!)

Eu conheço o Bairro Dunas. Meu concunhado mora num edifício à porta do bairro – sem qualquer luxice ou esplendor das casas e condomínios da região – e, quando a gente se hospeda lá, costumo andar pelo bairro, onde mora a elite do Ceará, apesar dos riscos de assaltos à luz do dia, como alerta, sempre, minha cunhada.

Nestas andanças, passei pelo quarteirão que é a casa do senador Jereissati, o quarteirão que é a casa da irmã dele, os condomínios fechados onde moram os donos de fazendas, indústrias e grandes conglomerados comerciais. As ruas são mal traçadas, algumas com paralelepípedos que não conseguem se fixar na areia das dunas, as casas e condomínios cercados por muros altos, várias com arame farpado ou fiação elétrica que, presumivelmente, evitam uma invasão incômoda dos moradores das muitas favelas no entorno das dunas.

Lembrando disto, fico pensando com meus botões: se, de acordo com a delação de Sérgio Machado, ele repassou propina de 1,5 milhão para o PMDB paulista, a pedido do então vice-presidente Michel Temer, 1 milhão para o presidente do PSDB, Aécio Neves, mesada de R$300 mil para Renan Calheiros e de R$500 mil para Edison Lobão,  R$21 milhões para Romero Jucá e R$1,55 milhão para Henrique Eduardo Alves e outros tantos milhares de reais para mais 14 políticos de 06 partidos (PMDB, PT, PP, DEM, PSDB e PCdo B), quanto foi repassado de outras inúmeras fontes municipais, estaduais e federais?

Qual o montante real do dinheiro desviado da população brasileira única e exclusivamente para financiar campanhas eleitorais e, quiçá, rechear os bolsos de pretensos representantes do povo?  É importante insistir nesta pergunta porque, até hoje, tantas e tantas operações anti-corrupção realizadas, algumas das quais tecnicamente canceladas pela Justiça, apesar das comprovações evidentes, não há respostas para ela. A grande imprensa, os órgãos de controle, as entidades públicas, os procuradores e policiais integrantes da Operação Lava Jato, tão exultantes em seu atual protagonismo  no combate a corrupção, não se deram ao trabalho de divulgar o total de bilhões roubados já contabilizados nas dezenas e dezenas de delações premiadas arrancadas até agora.

Daí, perguntam meus botões: neste único caso, R$75 milhões pagáveis em um ano e meio e a prisão domiciliar numa casa luxuosa, com piscina, salão de jogos, barzinho bem servido de uísques e vinhos estrangeiros, serviçais à disposição e a presença constante de parentes e amigos é um castigo merecido para quem contribuiu consideravelmente para a miséria que sobrevive à sua volta? Perguntam mais meus botões: continuariam políticos e empresários corruptando tão despudoradamente caso fossem pagar suas culpas numa prisão como Pedrinhas, no Maranhão?

Eu trabalhei numa empresa estatal durante quase 30 anos, sempre em cargos de gerência ou assessoramento superior. Saí na hora de aposentar, aproveitando-me de um Plano de Demissão Voluntária, pelo qual recebi dinheiro suficiente para, junto com o FGTS, construir a casa onde moro hoje. Com piscina, mas sem salão de jogos, sem barzinho e sem serviçais. É uma boa casa, num lugar aprazível e sossegado para se morar, onde eu tenho prazer em receber amigos e familiares para jogar conversa fora, e de onde eu costumo sair muito pouco.

Para o meu gosto, é uma casa ideal para passar 02 anos e 10 meses, junto com minha mulher e recebendo apenas filhas, parentes e os amigos. Se tivesse sido corrupto nestes quase 30 anos de servidor público, eu teria muito gosto, hoje, de ser delator… E de devolver uns 10% ou até 50% do total que, certamente, eu teria amealhado, criando dificuldades e vendendo facilidades, ao longo destes quase 30 anos.

Acho, sinceramente, que no Brasil de hoje, não há melhor ofício que ser corrupto e delator premiado  da Lava Jato. É a garantia absoluta de um futuro risonho e limpo, com direito, neste futuro muito próximo, ao esquecimento propiciado pela curta memória dos brasileiros.