Eu já disse e vou repetir: há algo de podre no país! E não estou me referindo à Lava Jato, esta midiática operação policial-procuratória-jurídica que alimenta a desfalecente mídia brasileira há mais de dois anos. Estou falando de suas rebarbas, os despautérios jurídicos que estão sendo aplicados em nome da moralidade pública, razão fundamental da existência da operação.
Analisem o exemplo: o delator Sérgio Machado, ex-senador da República pelo PMDB do Ceará e ex-todo poderoso presidente da Transpetro, onde se manteve, por obra e graça de caciques de seu partido, por longos 11 anos, segundo informa a grande imprensa, vai “devolver aos cofres públicos, como multa compensatória, R$70 milhões, do total que desviou para si nos onze anos em que mandou na estatal. Por terem usufruído da propina, seus filhos Expedito e Daniel pagarão a multa com ele. Sérgio Filho, que entrou no acordo em caráter acessório, ficou livre da pena pecuniária.”
Acontece que este filho Sérgio, segundo a revista Piauí, “ex-alto executivo do Credit Suisse, seria o mentor dos investimentos mais atraentes para que o irmão Expedito, o Did, aplicasse os recursos de um fundo de cerca de 700 milhões de reais em propina para o PMDB”.
Ou seja: o provável canal usado para “lavar a roubalheira” fica livre, leve e solto, não participando nem da irrisória quantia – considerando o volumoso montante roubado em uma profícua gestão de 11 anos – a ser devolvida pela família unida. Qual a razão? Porque isto poderia entrar na perigosa seara dos bancos e financeiras nacionais e internacionais? Ou porque isto poderia envolver muito mais gente graúda, bem mais poderosa que os já poderosos caciques políticos tradicionais deste país? Afinal, os escândalos de HSBC e Carf já foram devidamente olvidados, pela imprensa e pelas autoridades constituídas… Jogaram perfume francês em cima.
E o fedor fica mais acentuado quando a gente percebe o tipo de acordo que foi feito pelo ex-presidente da Transpetro com o probo Procurador Geral da República: munido de um gravadorprofissional, devidamente escondido de seus interlocutores, ele manteve conversas comprometedoras com todos os caciques do PMDB, seus “velhos companheiros”, trocando a deduragem por uma suave pena para quem roubou tanto: dois anos de prisão domiciliar, com direito a tornozeleira eletrônica. E os filhos nem serão denunciados pela Justiça…!
Nos morros do Rio, onde o tráfico ainda é o senhor, apesar das badaladas UPP’s, e nas prisões de alta segurança de São Paulo, ainda dominadas pelo PCC, há um código de honra: delatores são mortos sem piedade. Mas isto é coisa de bandido rastaquera, não é mesmo? Para nossa elite, roubar o Estado é uma ação entre amigos, que, quando descoberta, conta com a compreensão das autoridades policiais, procuratórias e judiciais.
Por falar em autoridade procuratória, foi interessante ver, na televisão, a veemência do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, negando vazamentos da Lava Jato, numa resposta enviezada ao juiz Gilmar Mendes, do STF: “ O vazamento não foi da PGR. Aliás, envidarei todos os esforços que estiverem ao meu alcance para descobrir e punir quem cometeu este crime. Como hipótese investigativa inicial, vale a pergunta: A quem esse vazamento beneficiou? Ao Ministério Público não foi.”
Que eu me lembre, desde que a Operação Lava Jato começou a aparecer na mídia, nos primórdios de 2014, ela se tornou um marco das operações investigativas no Brasil exatamente por causa dos vazamentos rotineiros para a grande imprensa. Que eu me lembre, a Veja foi uma das primeiras beneficiárias do vazadouro em escala industrial propiciado pela Lava Jato. Naqueles primórdios, há uma reportagem de capa com o ex-deputado André Vargas, do PT, à época vice-presidente da Câmara dos Deputados, envolvido diretamente na delação premiada do doleiro Alberto Youssef, antes mesmo da delação ser aceita.
Dois anos e ‘252 vazamentos e meio’ depois é que Sua Excelência vem a público dizer que vazamento é crime?
Coincidentemente, não se passaram 24 horas do muxoxo do Procurador Geral, e outro veículo da grande imprensapublicou novo material vazado. Mais uma vez, como alvo preferido de vazadores e canais vazantes, a vítima foi o ex-presidente Lula. Documento assinado por Rodrigo Janot foi divulgado pelo Jornal Nacional da TV Globo, em que é solicitada ao STF a remessa para a Vara de 1ª instância do juiz Moro, responsável pela Lava Jato, do inquérito que investiga a suposta “compra de silêncio” do réu Nestor Cerveró, uma acusação sem provas feita a partir da delação premiada do cassado senador Delcídio Amaral.
A solicitação é, efetivamente, do PGR, mas ele, desta vez, não se deu ao trabalho de denunciar o vazamento ou prometer envidar todos os esforços para descobrir e punir quem cometeu este crime.
Para concluir, antes que o fedor se torne insuportável: no Palácio do Planalto, na ilustre companhia de seus impolutos ministros Padilha, Geddel e Etchegoyen, o presidente interino Michel determina imprescindíveis cortes de despesas no Palácio… da Alvorada, onde está a presidenta afastada! Eles (a presidenta e os funcionários que lhe prestam serviços, conforme determina a lei) estão comendo muito… viajando muito… gastando muito! ‘Proibam-na de viajar de FAB… suspendam seu cartão corporativo… cortem a luz e a água! Juntem este dinheiro e economizêmo-lo para pagar nossos juízes, procuradores e policiais!’
Não há perfume francês que dê conta de tanta fedentina!