O Sistema Cínico de Saúde

Há duas coisas comuns e repetitivas em todos os tele-noticiários brasileiros: a violência diária e a falência do Sistema Único de Saúde, o SUS.  Nos chamados telejornais regionais, então, não há um dia em que 70% das notícias, pelo menos, não se refira a assaltos, desastres de trânsito e/ou pontos de droga freqüentados por menores… e filas imensas em postos de saúde ou macas espalhadas por corredores hospitalares, onde faltam médicos ou cujos equipamentos não funcionam.

Num país onde a desigualdade social é monstruosa, a violência diária torna-se uma conseqüência natural. Para a qual contribui, e muito, o desespero de pessoas informadas diariamente das dificuldades de se ter atendimento médico na rede pública.

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Será que o atendimento médico na rede privada é muito diferente?

Nesta última semana, me afastei do blog porque estava com dois problemas de saúde em casa: minha mulher e minha mãe. Ambas são facilmente enquadráveis na classe média, com poder aquisitivo suficiente para possuírem plano de saúde, dispensando o SUS. Com isto, têem variadas opções para buscar atendimento médico na rede privada, o que fazem sempre que necessário.

No caso de minha mulher, quando o problema é inesperado, o primeiro passo é a emergência de um dos bons hospitais de Brasília, que tem uma estrutura para atendimento rápido e eficiente, mesmo em dias de demanda muito acentuada.

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Assim é que, tão logo lá chegamos, por volta de 11 horas da noite de terça-feira, fomos encaminhados para um clínico geral que, de acordo com a sintomatologia dada pela minha mulher, nos encaminhou à sala de medicação,  para eliminar suas dores bem fortes e, em seguida, para coleta de sangue e urina e realização de tomografia. Efetivadas todas estas etapas, deveríamos permanecer na sala de SCS 5medicação até a chegada do urologista.

Pelo que entendi, o hospital mantém plantonistas de algumas especialidades; só que eles não permanecem no hospital. Em caso de necessidade, são chamados e têm um prazo de até 02 horas para lá chegarem. Neste caso, o urologista de plantão não chegou… só apareceu às 08 horas da manhã, horário normal de trabalho, eu presumo.

Meu pai era médico e eu aprendi com ele a ciência da observação: cada paciente recebido por ele, ficava boa parte do tempo contando sua vida, seus problemas, suas sensações e os motivos que o levaram a procurar um médico… até meu pai ter um quadro geral do ser humano à sua frente, que lhe permitia diagnosticar as possíveis causas dos problemas que o afligiam. O exame físico eSCS 13m seguida – pulso, coração, pressão, fundo de olho, garganta, juntas – e clínicos posteriores – que se restringiam, basicamente, ao de sangue, urina e fezes e, quiçá, abreugrafia – davam o diagnóstico final e indicavam o tratamento a seguir, na imensa maioria das vezes exatamente aquele que meu pai previra no longo bate papo  inicial com o paciente.

A medicina moderna, à medida em que progrediu de forma fantástica tecnologicamente, abandonou esta conversa olho no olho de médico e paciente… tudo é feito automaticamente! O paciente chega no hospital, diz o que está sentindo para um clínico geral sentado à frente de um computador, enquanto uma auxiliar mede pressão e temperatura. Conforme os sintomas declarados pelo paciente, devidamente digitados pelo clínico no computador, este faz alguns exames físicos – auscultação, fundo de olho, toques em possíveis locais doloridos – tudo devidamente anotado no computador, e encaminha o “doente” à sala de medicação, se for SCS 14necessário, e/ou para os exames indispensáveis, de sangue, às vezes de urina, e tomografia ou ressonância magnética e/ou qualquer outro dessa modernosa aparelhagem eletrônica existente, indicando o especialista que deverá examiná-lo ‘a posterior ’.

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Dependendo da situação, o paciente retorna para a sala de medicação ou para uma sala de espera, para aguardar os resultados dos exames, que são transmitidos para o computador do especialista indicado, que deverá diagnosticar o mal que o aflige e determinar o tratamento a ser feito, inclusive internando-o no próprio hospital, se for necessário.

No caso de minha mulher, foram três dias de ida e volta ao hospital, três clínicos gerais, um urologista e dois ortopedistas, além de uma dezena de enfermeiras e auxiliares, sem um diagnóstico definitivo até agora, vez que o resultado da ressonância magnética ainda não saiu… E um caminhão de anestésicos, aplicados no hospital e receitados por, pelo menos, um urologista e um ortopedista!

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No caso de minha mãe, a história é mais complexa. Com 96 anos e uma saúde perfeita, incluindo a lucidez, mas por ter sido mulher de médico por mais de 50 anos, ela não procura socorro médico por qualquer sintoma… Quando vai, há alguma razão séria! Desta vez, um incômodo no peito a levou a outro bom hospital de Brasília, onde passou pela triagem e foi atendida por um cardiologista, considerados os sintomas que apresentava.

Passada por todos os procedimentos relatados aí encima, o cardiologista nada constatou no coração, mas sugeriu que ela procurasse um pneumologista, o que fizemos a seguir. O especialista que procuramos, de acordo com o plano de saúde dela, examinou a radiografia e solicitou uma tomografia, antes de emitir seu diagnóstico. O resultado desta levou dez dias para ficar pronto e, levado ao pneumologista, foi considerado muito mal feito, o que o levou a pedir uma nova tomografia, que deveria ser feita em outra clínica, daí a 04 meses…! Como a decisão do especialista me pareceu incrível, procuramos uma segunda opinião. Que foi categórica, a partir da mesma tomografia: o problema da sua mãe é este e deve ser tratado o mais rápido possível.

Enfim, minha mulher já voltou a trabalhar e minha mãe está otimista com o futuro, apesar dos 96 anos… Mas, a realidade é inquestionável: interessa à grande imprensa esculachar o Sistema Único de Saúde e poupar o sistema privado, porque isto leva mais gente a se inscrever em planos de saúde e procurar médicos e redes hospitalares particulares, que anunciam pesadamente em jornais e tevês.

O fato concreto é que a saúde, no Brasil, tornou-se um grande jogo comercial, onde o paciente é, apenas, um dos elementos que propiciam muito dinheiro a profissionais, empresas hospitalares, laboratórios, indústria farmacêutica e indústria de equipamentos cirúrgicos. Medicina deixou de ser uma relação médico-paciente e se tornou uma máquina de fazer dinheiro…!SCS 22

A propósito: eu tenho outra parenta cujo marido é profissional autônomo. Com o prolongamento da crise brasileira, ele foi cortando as despesas aqui, cortando as despesas ali e acabou perdendo o plano de saúde. Ela foi obrigada a procurar o posto de saúde do bairro e está sendo mais bem atendida que pelas dezenas de clínicas credenciadas pelo antigo plano de saúde. Sorte?

 

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