É assim que eu sou, acho… (I)
Alguns dos que me leem, nas redes e nos grupos sociais de que participo, reclamam de minha constante crítica às igrejas, especialmente às neo evangélicas. Tem gente que afirma que eu sou católico apostólico romano, tem gente que diz que sou papista e, por causa de Francisco, sou comunista, tem gente que me acusa de ser ateu, alguém cuja alma, certamente, irá arder no fogo do inferno. E tem gente que me manda textos bíblicos, palavras de Cristo e orações de arrependimento e perdão… e vídeos de muita fé no poder evangelizador do pastor… ou pastora!
Eu não costumo replicar, explicar ou xingar… As redes sociais dificilmente estão abertas ao debate de ideias e posturas. Preferem enaltecer ou glorificar os do mesmo lado e xingar ou crucificar os de lados diferentes. Mas, quando a crítica parte de alguém que eu conheço e que me conhece, é hora de colocar os pingos nos devidos is. Até mesmo pra deixar escrita uma posição que eu tenho desde que, na juventude, comecei a questionar princípios religiosos, baseado na birra que eu adquiri da “obrigação de ir” a missas intermináveis rezadas em latim e de confessionários, e, pouco mais tarde, das muitas perguntas sem respostas aceitáveis que fazia a tias e professores religiosos sobre determinados dogmas incompreensíveis e que eu considerava impossíveis (a virgindade de Maria ou a mulher de Jó virando estátua de sal ou a travessia a pé do Mar Vermelho, por exemplos).
Com o tempo e muita leitura – de pensadores católicos e nem tanto – entendi que a fé respondia todas as minhas perguntas irrespondíveis. Como eu não conseguia ter fé, recolhi-me à minha insignificância e parei de falar em religião com amigos ou adultos próximos. Ainda tive alguns debates com colegas que eram membros da Juventude Estudantil Católica, JEC, e freis do Convento dos Dominicanos durante o período pre-ditadura, mas nós, ginasianos preocupados com a situação do país, derivávamos sempre para o lado político – Cristo seria um pregador socialista? Então, veio a rebordosa em 1964, a prisão de alguns freis e o sumiço de outros, e minhas discussões passaram a ser diretamente com Deus, mesmo sabendo que Ele não existia.
Agora, as coisas mudaram de figura. A partir do momento em que passei a escrever nas redes e no blog, e a ser lido e seguido, não posso evitar de dizer o que penso e porque é assim que penso. E como continuo não tendo fé, mas respeito e admiro quem tem, acho que posso convencer os amigos que mesmo pessoas sem fé e agnósticas como eu não merecem o fogo do inferno, caso ele exista. Mesmo porque se Cristo for tudo aquilo que os que nele creem e que difundem suas palavras, tenho certeza que o fato de não acreditar em Deus não será meu passaporte inevitável pro Inferno. Posso até ir, claro, mas por outros pecados…
Começarei por aí: eu não sou ateu, sou agnóstico. Ou seja, eu não acredito em Deus (apesar de, por condicionamento – ou será receio? – escrever sempre com D maiúsculo) ou deuses, que são criações do ser humano incapaz de entender ou explicar certas manifestações do Universo ou do próprio ser humano. Acho, porém, que não há como se provar a existência ou não de Deus ou deuses, o que me permite acreditar em forças positivas ou negativas que podem mover o mundo e os seres humanos, que é a essência do agnosticismo.
Eventualmente, eu também sou católico apostólico romano, já que fui batizado e crismado como manda a Igreja de Roma. E segui os preceitos religiosos enquanto era menino e não podia confrontar minha mãe, ou seja, ia à missa todo domingo e, sempre que advertido por ela, confessava os “inúmeros pecados” que uma criança costuma cometer, como desobedecer os pais, “roubar” chocolate no armário, molhar o cabelo pra fingir que tomou banho, olhar os corpos das moças do prédio e ficar imaginando bobagens ou entrar escondido em algum lugar perigoso e proibido – ao lado do prédio em que eu morava havia uma casa velha que servia de depósito de ferro velho, onde a gente costumava entrar quando fechado, sábado ou domingo, normalmente pra “surrupiar” coisas velhas e imprestáveis, mas que serviam para alguma brincadeira ou, então, pra assustar pessoas no início da noite, como se assombrações fôssemos.
Atualmente, também sou papista, não no sentido pejorativo dado pelos protestantes, mas um declarado admirador de Francisco, assim como fui de João XXIII, mesmo mantendo minhas convicções agnósticas. E é interessante isto porque é uma admiração que se repete em um espaço de tempo superior a 50 anos. João XXIII, que reinou em meu despertar como ser humano, era um pregador da bondade, do amor, da alegria, da paz e da renovação da Igreja, sendo odiado pelos católicos conservadores, que o acusavam de ser um comuno/socialista radical e maçon, que desrespeitava as tradições da Igreja, promovendo a liberdade religiosa e o ecumenismo.
Os xingamentos e acusações a Francisco, que reina no entardecer da minha vida, não diferem muito. No correr da minha existência, conscientemente afastada da Igreja, ela, que é secular, deu uma volta completa. Me parece que os princípios básicos do cristianismo se fortalecem – ou precisam estar mais presentes – exatamente quando os homens tomam caminhos egoístas, avaros, luxuriosos e violentos. Creio que é por isto que as religiões são necessárias. As regras de convivência social estabelecidas pelas sociedades organizadas não bastam para torna-los menos selvagens que os animais que eles chamam de selvagens. (termina quinta feira)