A morte não me assusta mais…
Um velho amigo de tempos felizes, beirando a terceira idade (argh!) e abalado por uma morte prematura inaceitável, mas inevitável, na família, me passa mensagem engasgada perguntando como eu descobri que estava com câncer e como eu reagi à notícia. Eu não tinha parado pra pensar nisto ainda e as perguntas me obrigaram a fazer uma retrospectiva dos meus últimos seis meses, onde se misturam a alegria de rever filhas e netos e andar por Nova Iorque, o temor da pandemia e a notícia, confirmação e aparente resolução do câncer.
Como eu já escrevi no blog, minha timidez crônica me fez criar uma casca pra poder enfrentar o mundo. E isto, ao longo da vida, me tornou racional, cético, agnóstico e fatalista. A possibilidade de câncer sempre rondou minha vida porque meus problemas de saúde sempre estiveram ligados aos aparelhos gástrico e digestivo (além da miopia, que evoluiu pra retinopatia num olho e epiteliopatia em outro). Sem muita regularidade, comecei a fazer checkups depois dos 50 anos e endoscopias e colonoscopias eram taxativos: muitos pólipos.
Este ano, resolvi fazer o checkup antes de viajar pros Estados Unidos, e a colonoscopia não conseguiu retirar 02 pólipos que, segundo a proctologista, indicavam alguma complicação, mandando seus fragmentos para biópsia. O resultado não ficou pronto e eu viajei já sabendo que poderia ter um carcinoma no intestino, mas deixando pra esquentar a cabeça quando retornasse, depois de estar com filhas e netos. Tive que voltar correndo porque a pandemia explodiu – eu estava lá quando a capital do mundo foi fechada pela primeira vez na história (isto não aconteceu nem quando o terror destruiu as Torres Gêmeas).
Na volta, o resultado confirmou o câncer em estágio inicial e a recomendação de procurar um oncologista, que reconfirmou e pediu tomografias, que bateram o martelo. Aí sim eu fiquei assustado, nem tanto com o câncer (era inicial!): meu plano de saúde de mais de 20 anos não cobria internação hospitalar, e a cirurgia, conforme estimativa do médico, ficaria em uns R$120 mil, por baixo. Uma filha me disse que o Hospital de Base e o Hospital Universitário de Brasília eram considerados referência em câncer e outra lembrou que um amigo dela estava fazendo residência no Base.
Mas já estávamos em pandemia crescente e um médico aposentado, colega de diretoria na Associação do Núcleo Rural onde moro, disse que o HUB era o único hospital público daqui que estava liberado do atendimento de covid19 e falou com um amigo do filho dele, especializado em laparoscopia, que estava fazendo residência lá, exatamente em proctologia oncológica (se eu não fosse agnóstico, teria exclamado: sangue de Jesus tem poder!), que ficou de me atender.
Ele me ligou e fui levar os exames pra ele. Confirmou o câncer inicial, disse que, por causa da pandemia, o HUB tinha suspendido as cirurgias eletivas e estava fazendo apenas as oncológicas e emergenciais, ou seja, ele poderia me operar dentro dos próximos 30 dias. 20 dias depois, me convocou, mas meu teste de covid19 não dera o resultado ainda, a cirurgia foi adiada e aconteceu dia 27/05.
Ele tirou um bom pedaço do cólon, que mandou pra biópsia. O resultado só ficou pronto 02 meses depois: era adenocarcinoma mesmo no segmento da direita e um adenoma (sem câncer ainda) no segmento da esquerda. Ou seja: o câncer foi extirpado, mas eu preciso continuar acompanhando para evitar que outros pólipos virem cânceres…
Como eu disse lá em cima, eu me tornei racional, cético, agnóstico e fatalista. A esta altura da vida, divorciado duas vezes, 04 filhas, todas criadas e liberadas, e 06 netos (o mais velho fez 17 anos em agosto), não tenho mais muitos compromissos com a vida. E uma tremenda curiosidade, que só será satisfeita quando morrer: Deus existe ou não? Sinceramente, a morte não me assusta e, até certo ponto, me atrai.