Nada a ver e tudo a ver
Ontem, dia 16 de agosto, minha mãe faria 101 anos. E, tenho certeza, estaria viva e ativa, apesar do câncer pulmonar detectado quando tinha 96. E que não afetou sua vida ativa por 03 anos… Aí, deu uma escorregada no quarto e quebrou o fêmur. Não pôde operar, não pôde imobilizar a perna, mas teve que se imobilizar em sua cama voluntariamente.
Quase 03 meses sem sair do lugar. Quase 03 meses assistindo novela (ela cansou de ver noticiário, deprimia-a muito! E não queria tv paga, pois se atrapalhava com o controle). Quase 03 meses sem aguar suas plantas. Quase 03 meses sem varrer seu próprio quarto. Quase 03 meses sem botar o nariz na porta da rua. Quase 03 meses vendo o fundo da chácara pela janela do quarto… E morreu!
Fico imaginando minha mãe viva nestes tempos de pandemia. Eu sou do grupo de risco pela idade, mas não tenho outras comorbidades, já fiz testes e não fui infectado pelo covid19, ou fui, não tive sintomas e criei anticorpos. Não estou preso numa cama e num quarto e tenho computador, Internet e tv paga, pra revezar com os noticiários (que vejo ansioso, pois ainda tenho esperança de ter uma notícia boa, o Mito e sua corja se fu….o*, por exemplo). E uso máscara, me higienizo com água e sabão e álcool-gel e vejo gente, mesmo esporadicamente, nas vizinhanças, em supermercados, na associação rural que participo ou em clínicas médicas que ainda tenho que ir. E, melhor que tudo, ainda vejo filhas e netas que moram por aqui, semanal ou quinzenalmente. Mesmo assim a vida ficou insuportável!
Nos quase 03 meses de imobilização, a recuperação de minha mãe foi fantástica: a gente já a levava pra tomar sol na varanda e pra ver suas plantas… Na última radiografia tirada, o fêmur estava 90% consolidado. E ela morreu 03 dias depois. Não dava pra entender! Agora, eu entendi: ela desistiu. Pra que persistir? Quase 05 meses de isolamento, eu estou quase fazendo a mesma coisa…