Da conversa gravada entre Renan Calheiros e Sérgio Machado, na Folha de São Paulo:
RENAN – (Os ministros do STF) …não negociam (com a presidente Dilma) porque todos estão putos com ela. Ela me disse e é verdade mesmo, nessa crise toda – estavam dizendo que ela estava abatida, ela não está abatida, ela tem uma bravura pessoal que é uma coisa inacreditável, ela está gripada, muito gripada – aí ela disse: ‘Renan, eu recebi aqui o Lewandowski, (pois eu queria) conversar um pouco sobre uma saída para o Brasil, sobre as dificuldades, sobre a necessidade de conter o Supremo como guardião da Constituição. O Lewandowski só veio falar de aumento, isso é uma coisa inacreditável’. MACHADO – Eu nunca vi um Supremo tão merda, e o novo Supremo, com essa mulher (Carmem Lúcia, que assume a presidência depois do Lewandowski), vai ser pior ainda. […]
Um desabafo, para fazer os mais jovens pensarem: eu acompanho e me envolvo com política há exatos 56 anos. Aprendi, com o tempo, que política é um jogo em que os desprovidos de caráter, senso de justiça, respeito pelos outros, costumam levar a melhor. Costumam… Mas, lendo as gravações dos diálogos do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, com figuras que “comandam” efetivamente a política no Brasil – e só aquilo que foi divulgado até agora, porque, pelo que eu sei, há muito mais ainda, tudo guardado para divulgação na hora certa, pelo Procurador Geral da República – honestamente, eu sinto nojo físico disto tudo. Eu quase vomito toda manhã, quando leio jornais e blogs ou quando assisto os noticiários televisivos.
Nos primórdios da década de 70, quando eu era jovem e o país vivia sob uma ditadura nefasta e assassina, eu não tinha coragem suficiente para pegar em armas e sair matando tenentes e coronéis, agentes e delegados da polícia repressora, ou morrer, tentando fazer isto. Mas a gente resistiu, fazendo passeatas, pintando muros e paredes, vaiando autoridades… Alguns até pegaram em armas, mas os canhões e metralhadoras eram mais fortes, e foram pegos, torturados e mortos, muitos corpos jogados no mar ou incinerados numa usina, e desaparecidos até hoje. Mas, por causa do sacrifício deles, a ditadura foi derrotada, a democracia venceu… E a pergunta que não quer me largar hoje, 30 anos depois, é uma só: pois é, pra quê?
O automóvel corre, a lembrança morre//O suor escorre e molha a calçada//Há verdade na rua, há verdade no povo//A mulher toda nua, mais nada de novo//A revolta latente que ninguém vê//E nem sabe se sente, pois é, pra quê?O imposto, a conta, o bazar barato//O relógio aponta o momento exato//da morte incerta, a gravata enforca//o sapato aperta, o país exporta// E na minha porta, ninguém quer ver//Uma sombra morta, pois é, pra quê?
A gente tinha uma esperança danada na mudança dos ventos. A música símbolo da ditadura dos anos 70 – Eu te amo, meu Brasil – cumpriu seu destino de forma contrária ao que os ditadores queriam: ninguém segurou a juventude do Brasil, que viu os adultos se juntarem a ela e empurrarem os políticos para os palanques, clamando pelas “Diretas Já”, em apoio a uma emenda do deputado Dante de Oliveira, que empolgou o país, apesar da inexistente cobertura da Globo… Mas que não passou na votação do Congresso.
Só que os ventos já tinham mudado. Eleição direta para presidente não houve, mas indireta sim… e os congressistas, amedrontados ou não, correndo riscos ou não, votaram na oposição, elegendo Tancredo presidente. Que morreu antes de assumir. Antes que os militares se assanhassem e anulassem a votação, os políticos viabilizaram um acordão: em vez do presidente da Câmara, constitucionalmente o substituto do presidente eleito mas não empossado, assumiu o vice de um presidente que não chegou a ser. Pois é, pra quê?
Que rapaz é esse, que estranho canto//Seu rosto é santo, seu canto é tudo//Saiu do nada, da dor fingida//desceu a estrada, subiu na vida//A menina aflita ele não quer ver//A guitarra excita, pois é, pra quê?//A fome, a doença, o esporte, a gincana//A praia compensa o trabalho, a semana//O chope, o cinema, o amor que atenua//O tiro no peito, o sangue na rua//A fome a doença, não sei mais porque// Que noite, que lua, meu bem, prá quê ?
Sarney, o dono do Maranhão, raposa felpuda do serpentário político, se compôs com todo mundo, distribuiu o comando de ministérios, estatais, representações federais nos Estados, inaugurando o profícuo (para os políticos) presidencialismo de coalizão. E manteve a tradição da República Velha: os planos econômicos lançados sucessivamente para melhorar a economia (Cruzado, Cruzado II, Bresser e Verão) e segurar a inflação, que teimava em voltar a crescer pouco depois do plano lançado, tinham sempre os mesmos pontos em comum: passavam ao largo de medidas que pudessem afetar os mais bem aquinhoados da República.
O Brasil entrou em recessão, para imensa alegria da Rede Globo, que conseguiu emplacar o Caçador de Marajás na Presidência, derrotando, pela primeira vez, o Sapo Barbudo. Uma alegria que não durou muito… Collor tinha um tesoureiro de campanha, que não se contentou com as imensas sobras da dita cuja, quis mais! E foi metendo a mão em tudo quanto é cumbuca que pudesse minar dinheiro. Mas, deu-se mal: como ele não repartia o butim e guardava tudo só para o próprio grupo, políticos, poder econômico, mídia movimentaram o populacho e Collor foi defenestrado sem dó nem piedade. A esquerda se regozijou: chegara a sua vez! Aí, deixaram a esquerda mais radical acreditar que Lula era o nome, mas se uniram em torno da esquerda light, representada pelo supra sumo da ‘intellingtsia’ nacional, o sociólogo da Sorbonne, Fernando Henrique Cardoso. Pois é, pra quê?
A fome, a doença, o esporte, a gincana//A praia compensa o trabalho, a semana//O chope, o cinema, o amor que atenua//O tiro no peito, o sangue na rua//A fome a doença, não sei mais porque//Que noite, que lua, meu bem, prá quê ?//O patrão sustenta o café, o almoço//O jornal comenta, um rapaz tão moço//O calor aumenta, a família cresce//O cientista inventa uma flor que parece//A razão mais segura pra ninguém saber//De outra flor que tortura, pois é prá quê?
A esperança acabou em muito pouco tempo. A esquerda light era mais do mesmo. Talvez pior… O sucesso da privatização do setor de telefonia, que massificou o uso do celular, abriu as portas para as demais privatizações, que venderam boa parte das riquezas brasileiras por preço de banana. A privatização era a chave de tudo e, em função dela, houve achatamento salarial, houve sucateamento do serviço público para facilitar a entrada do capital privado na educação, na medicina, nos transportes rodo, ferro e aeroviário e endividamento das empresas nacionais que, sufocadas, foram sendo arrematadas pelo capital externo. E, mesmo com o real consolidado, a crise econômica voltou, jogando o prestígio do sociólogo para o raio que o parta. A esquerda se uniu, desta vez para valer, Lula e Zé Dirceu escreveram uma Carta aos Brasileiros, abjurando o radicalismo esquerdista, e o poder, finalmente, sorriu abertamente para os jovens sonhadores da década de 60. Pois é, pra quê?
No fim do mundo há um tesouro//Quem for primeiro carrega o ouro//A vida passa no meu cigarro// Quem tem mais pressa que arranje um carro//Prá andar ligeiro, sem ter porque// Sem ter prá onde, pois é, prá quê?// **
Durou 13 anos a nossa experiência de poder. Muitos dos ideais de nossa geração se tornaram realidade… muitos não foram nem sequer tentados. Para implantar nossas certezas, tivemos que negociar, transigir, sepultar consciências! E enfiar a mão na lama, tornando-nos muito parecidos com os de sempre. Que nos derrubaram sem usar armas… Pois é, pra quê?
** Pois é… pra quê, de Sidney Miller