Do jeito que o diabo quer (I/X)

Aqui começa a história de uma longa e inesperada aventura, ou desventura. Tão longa e surpreendente que precisei dividi-la em 10 capítulos, que serão contados ao longo do mês. Achei isto necessário para que os leitores não se cansassem e aproveitassem as pausas para pensarem um pouco na vida que viveram até hoje e na vida que querem levar até que a morte, inevitável, se apresente. A que levaram até hoje já foi, não tem volta… mas a vida futura tem muitas possibilidades, muitos caminhos. Que a aventura ou desventura desta velha alma agnóstica pelo Reino de Lúcifer, ajude as almas que aportaram neste canto a perceber o melhor caminho para cada uma, e aventure-se por ele sem angústias passadas e sem qualquer receio do Juízo Final.

 

Capítulo 1 – Minha alma por uma história

         Lá estava eu na mesa de operação para retirar um pólipo com jeitão de maligno à espera do anestesista – ou será que o anestesista já estivera lá e eu, inquieto e nervoso nem reparara? – quando um senhor bem vestido, terno preto de gabardine inglesa e camisa branca, com uma gravata borboleta de cor vermelha e abotoaduras prateadas, e com um bigode fino e um cavanhaque mais fino ainda e pontudo, me disse ‘boa noite, meu caro’.

– Uai! – me assustei – já pode entrar sem máscara e jaleco branco aqui? Aliás, quem é o senhor? Onde está a enfermeira?’

– Acalme-se, meu caro. Eu só estou aqui pra lhe fazer uma proposta, antes que o médico lhe corte um pedaço do intestino e encontre algumas coisas piores no entorno dele…

– E quem é o senhor, senhor…

– Você sabe quem eu sou, não carece apresentação… Não, não! Você ainda não pendurou as chuteiras, como gostam de falar aqui na sua terra, como se todo mundo gostasse de futebol… Mas pode ser que isto aconteça daqui a pouco e, por isso, resolvi fazer-lhe esta visitinha e propor-lhe um negócio muito interessante para você.

Certamente, eu já tinha sido anestesiado e estava me imaginando morto e às portas do inferno, pois aquela figura à minha frente só podia ser o ‘sem nome’, apesar de eu não estar vendo nem chifres, nem o rabo pontudo. Ou então, estava morto mesmo, o anestesista errara na dose, a operação não dera certo, o coração parou e não conseguiram reanima-lo ou qualquer desgraça assim. Mas, eu fora direto pro Inferno? E o Corredor da Passagem? E o Grande Vestíbulo?

– É exatamente sobre isto que eu vim conversar e negociar com você. Entenda uma coisa simples: você ainda não morreu… Eu disse ainda! O que pode acontecer daqui a pouco. E eu posso garantir que você não morrerá daqui a pouco se você escutar com atenção o que eu tenho a lhe propor…

– Escutar ou concordar com você?

– Eu acho que se você escutar, você vai concordar e sua pergunta deixa de fazer sentido. Está disposto a escutar?

– Vamos lá… Qual é a proposta?

– Você quer conhecer o verdadeiro Inferno?

– Como assim… sem morrer?

– Eu explico: eu acompanhei suas andanças pelo Reino de Deus, sua descrição não tão verdadeira daquelas paragens, seu relato da última aventura do filho de Deus pelo que me pareceu o que você considera o verdadeiro inferno, sua terra amada, salve! salve! Não consegui descobrir quanto Deus, ou seria Cristo?, pagou pra você escrever tal propaganda, mas resolvi cobrir a oferta…

– Só o Mefistófeles mesmo pra achar que eu vendo a alma por dinheiro… Eu crio histórias, eu invento histórias pra entreter ou tentar transmitir alguma coisa pros outros…

– Que tal a vida eterna?

– Pra quê? Viver num inferno terrestre, como você disse, vendo filhas, netos, bisnetos morrerem? A vida não é tudo…

– Mas você não acredita em vida pós-morte… Como criador de histórias, não tem curiosidade de conhecer o verdadeiro Inferno, no qual, aliás, você não acredita?

– Quando eu era menino, eu tinha horror à ideia de me confessar. Não que eu tivesse pecados, mas porque eu era tímido demais e ficava envergonhado de contar prum cara que eu sabia que só usava batina preta, dentro de uma casinha, que eu tinha mentido pra minha mãe ou que tinha fingido que tomara banho ou que eu dera cola pra Elba, uma mulatinha espevitada com quem eu queria, mas tinha medo de conversar. O tal padre, Carlos, sempre me olhava de esguelha e uma única vez me encarou e foi direto: quem não confia em Deus, vai direto pro Inferno… (continua quinta-feira)

 

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