Em texto recente neste blog, eu escrevi sobre minhas relações com a Medicina, próximas e anteriores à minha existência, e com a Morte, um pouco mais distantes e um tanto ou quanto raras. Mas, passei de leve sobre minha relação com hospitais, visto que, só após 72 anos de vida, eu nunca me internei em um, e só agora iria fazê-lo, por necessidade pessoal, para fazer uma cirurgia onco-intestinal. E em um hospital público, atendido pelo Sistema Único de Saúde.
Meu pai, médico por vocação, trabalhou em muitos hospitais mas, certa vez em que estava mais falante – ele sempre foi muito fechado – me revelou que suas maiores vitórias como médico foram fora deles. E lembrou duas: a primeira, quando foi buscado no hospital de Brazópolis por um fazendeiro para socorrer um peão que havia caído de e sido pisado por um cavalo… Quando chegou, percebeu que o fato ocorrera há alguns dias e a perna já estava gangrenando: não podia transportá-lo pra cidade e tinha que amputar. Pediu uma serra e duas garrafas de cachaça, embebedou o peão e serrou a perna logo acima do joelho. A segunda, quando foi buscado de madrugada na colônia de Bambuí, para atender um parto complicado na cidade. A parteira não sabia mais o que fazer, pois a mãe berrava de dor e não conseguia expulsar a criança. Desta vez, com ferramental adequado e muita paciência, conseguiu tirar a criança… e descobriu que tinha outra… e tinha outra… e tinha outra! Foram os primeiros quadrigêmeos de Minas Gerais, com direito à reportagem no O Cruzeiro, a grande revista da época.
Ou seja: enquanto ele viveu, meu hospital era ele, mesmo quando passei a morar longe. Lembro um final de semana em que comecei a passar mal no primeiro sítio que tive em Alexânia: uma dor insuportável, que começava no baixo ventre e subia, num crescendo, até o coração. Minha então mulher me carregou pro pequeno hospital da cidade, mas era fim de semana, não havia médico… Botou as meninas no carro e viemos pra Brasília, há mais ou menos uma hora, ela acelerando e eu mastigando o cinto do carro pra não berrar de mais. O que fez efeito: a dor foi passando, foi passando e, quando entramos em Brasília, eu não sentia mais nada. Teimoso, preferi ir pra casa e ligar pra meu pai. Depois de descrever tudo que havia comido e bebido antes e como a dor se manifestara, ele disse: “Ela vai voltar menos intensa. Compre um Atroveran, tome e me ligue amanhã cedo.” A dor nunca mais voltou.
Mas, eu frequentei hospitais, claro! Pra visitar amigos ou parentes internados, para participar do nascimento das filhas e, nos últimos anos, para acompanhar Lúcia, minha segunda mulher, que, portadora de uma artrite reumatoide que reduz muito sua imunidade, teve que se internar diversas vezes, uma delas, inclusive, por 20 dias numa UTI. Esta frequência tornou-se mais intensa ainda quando um câncer pulmonar foi detectado em minha quase centenária mãe. Em todas estas situações, porém, o hospital era sempre privado, mercê da possibilidade que tivemos de manter um plano de saúde particular.
Os antecedentes da minha internação em hospital público, eu já escrevi em texto anterior. Passemos pois, para os consequentes.
Avisado pelo médico, me apresentei à Internação na 4ª feira de manhãzinha. Mostrei o resultado do teste rápido do covid19 (Negativo) no meu celular (o teste feito pelo próprio hospital ainda não ficara pronto), e o assunto foi encaminhado à chefia, mas só foi resolvido umas 03 horas depois, depois que o médico foi lá e disse que precisava me operar naquele dia mesmo (a propósito, o exame do Covid19 feito pelo próprio hospital só ficou pronto 03 dias depois da operação!)
Subi pro quarto e nem parei: direto pra cirurgia. Só me lembro de um enfermeiro entrando na sala e dizendo que teria que fazer outro teste da covid19, desta vez anal. Não me lembro de nada mais (será que o enfermeiro e o teste foram reais? Nem recebi o resultado dele!). Só me lembro de acordar numa penumbra me perguntando: “Pô! Não fui operado ainda?” Aos poucos, vislumbrei alguma luminosidade, pessoas se movimentando depois da cortina que me separava do ambiente, gente dizendo bom dia e percebi, então, que já fora operado e estava na UTI. Alguns incômodos, mas nenhuma dor e muita atenção por parte de auxiliares, enfermeiras, médicas. Não fiquei muito tempo: fui transferido pro quarto na ala cirúrgica, onde fiquei sabendo que a operação fora demorada (05 horas) e sem qualquer complicação, e onde fiquei 09 dias.
Apesar de hospital público, fiquei sozinho no quarto e, pela “idade avançada”, tive direito a acompanhante. E comecei a viver a rotina hospitalar, que consiste, basicamente, em: acordar, tomar ou receber remédio, levantar, lavar o rosta, escovar dentes, urinar e/ou evacuar, se tiver vontade, tomar banho, deitar, tomar ou receber remédio, levantar, andar pelo corredor, com vontade ou não, deitar, tomar lanchinho, tomar ou receber remédio, dormir (se conseguir), tomar ou receber remédio, almoçar, dormir (se conseguir), levantar, sentar, fazer exercícios fisioterapêuticos, tomar lanchinho, deitar, dormir (se conseguir), levantar, andar um pouco, jantar, tomar ou receber remédio, deitar e dormir, se conseguir. Se não conseguir, acompanhar o vai e vem de enfermeiras e auxiliares te dando remédios ou trocando o soro durante a madrugada…
Eu sempre fui um crítico do imperialismo americano. E houve época em que esta birra me levou, até, a transformar a Coca Cola em uma arma ianque poderosa, que precisava ser boicotada. Hoje, confesso: entre sopinhas e caldinhos sem tempero e sem gosto que me serviram em almoços e jantas, rezei ardorosamente pra ter uma Coca Cola gelada à mão. E matei a vontade logo depois que saí do hospital. Em tempos de ódio bolsonarista, nada melhor que 05 dias de hospital para você mandar qualquer radicalismo pra p..a* que o pariu!
A saída foi chorada, diga-se de passagem. O médico-chefe não queria me dar alta na quinta-feira, 9º dia da internação, antes de completar o ciclo do antibiótico. Mas, eu estava me sentindo bem, a operação tinha sido um sucesso (conforme comprovara a tomografia), eu não tivera febre nenhum dia, estava urinando e evacuando normalmente e já entrara na dieta sólida (que arroz com feijão delicioso eu havia comido no almoço!). A médica que me acompanhava sensibilizou-se e prometeu negociar minha saída. E conseguiu. Santa doutora Débora!
Uma observação final: em qualquer circunstância, a internação em um hospital é uma situação desagradável, dolorosa mesmo, seja pelos motivos que originaram a internação, seja pela quebra de uma rotina de vida, quando você é obrigado a sair do sua zona de conforto e ainda leva parentes ou amigos a fazer o mesmo, para não deixa-lo sozinho num momento destes. Por isso, é fundamental para um hospitalizado, a presença física ou virtual (não há saída em tempos de pandemia) de parentes e amigos acompanhando sua recuperação.
Neste sentido, minha eterna gratidão à minhas filhas, pela companhia nestes dias, dormindo em cadeiras desconfortáveis e tendo que aguentar minhas ranzinzices e os roncos insuportáveis (nos dois dias em que houve outro paciente no quarto) e à Lúcia, minha ex mulher, pela teimosia em tentar me visitar, mesmo correndo mais riscos do que as pessoas em geral. Mesmo sendo barrada na portaria – domingo não era dia de visita – fiquei com a sensação de que ela estivera no quarto, me dando força pra me recuperar e sair mais rápido. E a todos os demais que mandaram mensagens ou ligaram. Saber-se cercado de amigos é a maior certeza de que a vida vale a pena ser vivida…