Os 04 cavaleiros da porca Alice (2ª temporada)

O poder de um mito – 1º capítulo

(Resumo da 1ª temporada: Em uma região distante, um ex-carabineiro e seus 03 filhos incomodam muito vizinhos e moradores de uma pequena aldeia. Para se livrarem dele, indicam-no para a Comissão Gestora da Aldeia e ele gosta tanto do status adquirido que consegue voar mais alto e vira presidente do Conselho dos Bem Nascidos da região. Numa festa da padroeira da sua aldeia, ele consegue arrematar Alice, uma porca de 05 arrobas, no bingo da quermesse, para a ira e desconfiança de seu adversário da aldeia vizinha, que movimenta os pauzinhos na capital e consegue arrancar uma investigação sobre o bingo com o Sistema de Segurança do Conselho. Eu, um farejador oficial, fui mandado para a aldeia para, secretamente, levantar a possibilidade de corrupção no bingo. E lá cheguei como se fosse um ledor de estrelas, discípulo do guru dos Toscanaros, sábio homem de muitas frases, recém chegado de sua toca no Exterior).

Havia um acerto prático entre os discípulos de Ó’deCavalo de se hospedarem, gratuitamente, na casa de outros discípulos, quando saíssem em peregrinação no grande movimento de evangelização que todos eles realizavam duas vezes por ano, pelo menos. Ziroutrhee, o terceiro filho de Zirouziro, era  um destes discípulos mas, felizmente, ele morava na aldeia vizinha, Anhangabaúba, vez que era membro da Comissão Gestora de lá. Daí que me instalei numa pensão/taberna numa das ruas laterais da aldeia e, mediante uma boa molhada na mão do taberneiro, consegui instalar meu ‘consultório-astral’ num pequeno cômodo anexo à taberna, que tive que faxinar, pois era onde ele prendia galinhas e porcos antes de mata-los pra servir os fregueses.

Para evitar suspeitas, antes de anunciar e iniciar minhas sessões, fui até a fazenda dos Toscanaros e expliquei sobre minha peregrinação a Ziroutwo, e pedi para ele, quando possível, informar o irmão da minha presença na aldeia. Ele foi muito gentil, me ofereceu uma sala reservada numa das lojinhas de Zirouane na aldeia, mas eu disse que já estava bem instalado e prometi procura-lo em caso de alguma necessidade.

Contratei alguns roboqueiros pra anunciarem a presença de um lídimo representante de Ó’deCavalo, recém chegado de sua casa no Exterior, que trouxera a luz de suas estrelas para as pessoas de bem da aldeia. Por experiência, esperei a presença de inúmeras aldeãs ligeiramente rotundas, esposas prendadas de vendeiros e peões das fazendas vizinhas, mas meu primeiro consulente foi o próprio taberneiro, um sujeito gordo, gorduroso e que costumava ficar sentado atrás do balcão vigiando a mulher na cozinha, a filha bem fornida de carnes e seios servindo no balcão, os fregueses e  dois garotos que corriam de um lado pro outro pra servi-los, além de fazer e receber as contas.

Magalhássil, o taberneiro, era zirouzirista fanático. Crente, machista e favorável ao uso da tortura e do enforcamento para qualquer tipo de crime, como boa parte dos aldeões, ele acreditava que Deus havia criado a Terra apenas para os homens que tivessem riquezas, e ele estava a caminho de ter muita, exatamente porque Zirouziro era seu amigo de fé e camarada, já tendo, inclusive, levado seu filho mais velho pra trabalhar com ele na capital. Por isso, todas as outras coisas sobre a face da Terra, inclusive os homens sem riqueza e todas as mulheres e animais existiam apenas para servir os homens ricos. Mas, ele estava preocupado…

– Quando entrou meio desconfiado no cômodo, vi o franzido de sua testa e o ranger de seus dentes… E pesquei: – Amigo Magalhássil, o que está te aporrinhando? – Ele se assustou, acreditou imediatamente que eu era vidente e não teve receio de despejar suas preocupações:

– Mestre, eu preciso saber o que me reserva o futuro… Tinha certeza… tinha promessas juradas de Ziroutwo que seu pai, na festa da padroeira, ia me presentear com umas terras que a presidência do Conselho tomou do velho Calógerus, cujo neto fugiu dos Carabineiros… Mas ele nem apareceu na taberna pra tomar vinho verde comigo…

-Sossegue, meu amigo. Vamos conversar um pouco pra eu sentir as vibrações positivas e negativas que fluem de você…  Então, você é amigo de Zirouziro… há muito tempo?

– Mais ou menos… Ele tinha um grupo meio fechado, com alguns carabineiros ativos e muitos ex carabineiros que trabalhavam por conta própria como força militar dos fazendeiros da região. Eu já tinha a taberna e estava querendo fazer um ponto de dormida pro pessoal que passava pela aldeia e o grupo dele começou a vir pra cá depois das caçadas ou pescarias que eles faziam juntos. Um amigo comum, Keyróssil, que convive com ele desde os tempos em que ele foi carabineiro, nos apresentou e eu passei a participar do grupo mais diretamente quando começaram a falar dele pra Comissão Gestora de Ibirapitanga, porque eu costumo saber de tudo que se passa na aldeia e fazendas em volta. Ficamos bem próximos, então…

– É mesmo? E você o ajudou muito na Comissão? Porque parece que ele fez um bom trabalho pra aldeia, tanto que foi parar no Conselho dos Bem Nascidos, não é?

– Pra Ibirapitanga até que ele não fez muita coisa não… Pros carabineiros sim, e principalmente para os ex carabineiros! Tanto que estes, em pouco tempo, se transformaram nos mosquetianos, esta força meio misteriosa que domina muitas coisas tanto aqui em Ibirapitanga como em várias outras aldeias da região… (continua amanhã)

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