Os 04 cavaleiros da porca Alice (1ª temporada)

Ascensão de um mito – 3° capítulo

Com a governança navegando em mar de marabineiro (o carabineiro da marinha), Paulipirangus, o auxiliar da caixa forte, conseguiu aprovar no Conselho dos Bem Nascidos uma reforma quase radical das Leis Garantidoras dos Velhos Inúteis – quase radical porque os carabineiros não foram atingidos por ela e, ao contrário, receberam algumas bonificações da caixa forte, o que era natural vez que Zirouziro havia sido, com muito orgulho, um heroico carabineiro…  – Ah! os representantes locais e regionais e os servidores a eles ligados também não foram, mas isto não teve nada a ver com Zirouziro.

Na avaliação dos bem nascidos, estas Leis eram arcaicas por demais e estavam amarrando as possibilidades de avanço da região, pois causavam um rombo cada vez maior na caixa forte, reduzindo a quantidade de moedas que  podiam ser disponibilizadas para seus negócios, o que, evidentemente, emperrava a contratação da mão de obra mais barata que havia sido proporcionada pelo presidente anterior do Conselho, Dráculus. Este havia aprovado a reforma dos Direitos Escravos, que lhes permitira ter aldeões a seu serviço em troca de casa e comida, ou seja, morarem em suas terras e não nas aldeias, que era mais dispendioso, e se fartarem das sobras opulentas de suas mesas, sempre ocupadas de muitos convivas (quando não era suficiente, eles fechavam os olhos para as hortas caseiras plantadas ao redor dos barracos e para as galinhas e porcos criados dentro deles).

Aí, num repente, as coisas começaram a degringolar. Paulipirangus tinha prometido mundos e fundos para os bem nascidos, mas os mundos ficavam cada vez mais longe e os fundos cada vez mais rasos. E os carros de som tradicionais, que haviam aderido a Zirouziro e, depois, se amedrontaram com suas ameaças de cortes de verbas e concessões, começaram, devagarinho, a levantar malfeitos e picaretagens do clã Tosconaro, o que animou as velhas raposas e os companheiros de Lulinacius a enfrentar a nova onda.

No meio desta mudança, surgiu a história da porca Alice. Ibirapitanga, como a maioria das aldeias, tinha uma festa tradicional anual em devoção ao seu padroeiro. Nesta festa, que durava uns 03 dias, além de rezarem muito, fazerem procissões e promoverem bailes e shows com saltimbancos, mágicos e palhaços de fora, havia as famosas quermesses, em que os aldeões se reuniam após a missa vespertina e comiam e bebiam em torno de barracas e participavam de jogos e bingos com distribuição de prêmios oferecidos pelos fazendeiros e vendeiros da aldeia.

Neste primeiro ano de governança Zirouziro , o grande prêmio em Irirapitanga era a porca Alice, uma leitoa de 05 arrobas criada pela filha de um fazendeiro vizinho, e que, sabia-o Zirouziro por informantes seguros, iria ser arrematada por um fazendeiro da aldeia vizinha, Jodorius, um antigo apoiador, mas recente inimigo do clã, que pretendia fazer um porco no rolete pra todo o povo de Ibirapitanga, lançando seu nome para o Conselho dos Bem Nascidos da região.  E isto, Zirouziro não admitia. Mandou, então, os filhos tomarem todas as providências cabíveis, legais ou não, para arrematarem a porca Alice na quermesse. Mas, desconfiado, ele próprio, cercado de seguranças, apareceu na aldeia no dia do bingo.

Zirouziro arrematou a porca e determinou imediatamente, em retaliação à Jodorius, que a porca fosse levada para sua fazenda, ficando sobre guarda eterna dele e de seus três filhos maiores. Para compensar a clara decepção dos aldeões, que estavam doidos pra comer carne de porca até se fartarem, avisou que todos eles estavam convidados para uma churrascada (de carne de vaca e galinha) que ele faria no dia seguinte na praça da igreja, com direito a muito hidromel e aguardente, quando ele sagraria ele próprio e seus filhos como os quatro Cavaleiros da Porca Alice. Foi intensamente ovacionado pelo povo, para desespero de Jodorius e demais adversários políticos.

Wilwizius, o vizinho que doara a porca Alice para a quermesse também não gostou – ele havia criado a porca visando a sua distribuição, na quermesse, para todos os aldeões, compromisso que Jodorius havia firmado com ele. E, como havia combinado com o  cantador do bingo para manobrar as pedras beneficiando Jodorius, teve certeza que o jogo fora roubado. Pegou o ‘bingueiro’ de jeito, deu lhe safanões e petelecos e ameaçou cortar lhe o saco, fazendo-o abrir o bico: antes do bingo, os irmãos Tosconaros haviam lhe dado safanões e petelecos e ameaçado cortar-lhe o saco… e ele teve que cantar as pedras do cartão de Zirouziro.

Ameaça por ameaça, o jogo estava empatado, na avaliação de Wilwizius mas, para azar de Zirouziro, o ‘bingueiro’ ainda estava com as pedras falsas no bolso… Jodorius, então, mobilizou amigos e partidários da capital e o Conselho dos Bem Nascidos, aproveitando a ausência de Zirouziro, instaurou um processo investigativo, mandando requisitar a porca Alice antes da sagração dos Cavaleiros, o que obrigou Zirouziro a voltar imediatamente para a capital e a suspender a churrascada, o que enraiveceu os aldeões de Ibirapitanga.

Aqui, eu entrei nesta história: como farejador da CAD/SS – Coordenadoria de Assuntos Delicados do Sistema de Segurança do Conselho dos Bem Nascidos fui mandado, secretamente, para Ibirapitanga, com a missão de levantar e preservar todas as possíveis provas documentais e testemunhais relacionadas à porca Alice. Não é uma tarefa fácil, primeiro porque ninguém pode desconfiar das minha real missão – levantadas as provas comprometedoras de crimes, entrega-las diretamente a Judgemorus – e segundo porque este trabalho também estará sendo feito por outros farejadores, estes com conhecimento de Zirouziro, e com missão oposta à minha: apagar tais provas se elas existissem.

Cheguei na aldeia disfarçado de ledor de estrelas, um discípulo de Ó’deCavalo, indicado por ele para mostrar a ferreiros, vendeiros, fazendeiros, peões e aldeões o que lhes reservava o futuro, baseado em suas vidas pregressas e presentes. Era um disfarce muito bom: homens e principalmente mulheres, na ânsia por uma felicidade futura, abriam os corações e despejavam todas as malfeituras e malquerenças da aldeia, verdadeiras ou falsas, em contraposição às próprias benfeituras e benquerenças, cabendo-me, apenas, como bom farejador, separar umas das outras e, claro, apropriar-me das possíveis provas existentes.

Mas esta é outra história, que só está começando agora e que será contada na 2ª temporada deste folhetim. Tenha paciência e aguarde. (fim da 1ª temporada)

 

 

 

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