Andando pela esplanada vazia, Diógenes se senta num banco da praça da Biblioteca Nacional ligeiramente aturdido, e é alertado por uma repórter de tevê, sentada noutro banco, que ele devia usar máscara e trocar sua lamparina por um celular. Diante da cara apalermada dele, tira um celular da bolsa, dá-lhe um banho de álcool gel, abre no Twitter e lhe entrega.
Diógenes começa a ler e se apavora: “O presidente acaba de chamar o ainda ministro de corrupto!” (um país que respeita as leis tem destas nuances: o ministro xingou o presidente sem ter apresentado seu pedido de demissão, e o presidente xingou o ministro, sem ter assinado sua exoneração). “E já tem um monte de gente aqui queimando camisa amarela ou clamando pelo apedrejamento de um ou do outro…”
A repórter tenta explicar a situação: “Eles estão numa disputa de poder. Um corre o risco de ser destronado e o outro quer se cacifar para o lugar”. Diógenes fica mais perplexo ainda: “Na Grécia, estas disputas eram resolvidas no Senado, pelos bem nascidos, ou na Ágora, pelos mal nascidos, escravos exclusos. Cadê as instituições republicanas que nós legamos a vocês?” “Estão pensando no futuro, ali por volta de 2022”, respondeu a repórter.
E Diógenes ficou sabendo, então, que o Procurador Geral, que dissera uma semana atrás que enquadrar o presidente da República seria um ato político, se contradisse e pediu instauração de inquérito contra ele, pelas ainda quentes denúncias do ainda ministro da Justiça em sua entrevista de demissão (mudou de lado?), o presidente da Câmara dos Deputados já havia engavetado mais de 20 pedidos de impeachment do presidente (“não há clima!”), e o presidente do Supremo continuava mudo, como sempre, com receio de ser taxado de petista, por ter sido indicado para o STF pelo ex presidente que havia sido preso.
Ficou sabendo, também, que a maioria imensa da população do mundo está agando e candando para a filosofia, preocupada com a própria sobrevivência e, neste contexto, se agarrava a seus deuses ou a seus líderes. Um deles, o líder mundial, faz propaganda da cloroquina, fabricada por um dos patrocinadores de sua campanha eleitoral, e receita a ingestão de desinfetantes por seus concidadãos, como remédio contra o vírus. Assim como a cloroquina, desinfetantes desaparecem das prateleiras dos supermercados e dezenas de cidadãos têm que ser atendidos nos hospitais, já entupidos de infectados e cloroquinados.
Daí, o presidente daqui, seguindo o que seu mestre mandou, fez propaganda de cloroquina também (cujo fabricante, coincidentemente, é seu patrocinador) e faz campanha contra a política de seu próprio ministério da saúde, no sentido de se acabar com o isolamento social, contaminando o maior número de pessoas possível, imunizando-as, mesmo que matando velhinhos e deficientes inúteis, mas preservando empregos e o faturamento dos empresários.
Diógenes devolve o celular à moça e, agradecendo-a, retoma sua lamparina. E sai, balançando-a, pela esplanada vazia. Sua busca continua e deverá continuar per omnia saecula saeculorum (amém). Seres humanos não aprenderam nada… Continuam inúteis! (fim)