Foi isto que o velho me ensinou, e é isto que eu estava mandando ele fazer agora: não baixar a cabeça, enfrentar a corja, matar uns 30 mil, de coronavírus ou de coronha e tiros mesmo. Os chineses, na época dos imperadores, quando suas províncias viviam em guerra, já usavam a tática da terra arrasada… e sempre deu certo! Inimigo não merece misericórdia… Políticos puxa sacos tentaram convencer o velho que inocentes podiam morrer. E daí? Ninguém é inocente!
Eu ainda não via a multidão na Esplanada, mas ouvia o barulho que ela fazia, berrando slogans esquerdistas. Todos que importavam, presidente, seus assessores e generais de pijama ou da ativa, foram levados prum lugar seguro, os demais foram dispensados e ou se juntaram à turba ou se escafederam pra longe do Plano Piloto. Leozim foi o último a sair e só eu estou aqui. E fico arrepiado com a perspectiva de um enfrentamento: a multidão avançando para o palácio e eu aqui, sozinho, para defendê-lo. Como será que os historiadores vão escrever sobre isto?
Os vencedores contam a história, mas eu acho importante que eles saibam que nós não fomos derrotados pelos comunistas. Nós fomos derrotados pelo medo, pela covardia de traidores da Pátria, incrustados no Congresso, no Judiciário e até nas Forças Armadas. O velho, pra meu orgulho, foi firme desde o início. Confrontou a Organização Mundial da Saúde, chamou os governadores e prefeitos de cagões, mandou a ciência pra p..a* que a pariu! E a gente até que estava conseguindo equilibrar as coisas enquanto os robôs funcionavam a todo vapor. Aí o dinheiro começou a minguar, barão da cozinha do velho se mandou pra Ibiza, onde o vírus não penetrou, e, do iate onde passou a viver, mandou recado desaforado pra ele: “o cofre ‘tá fechado, meu general… a guerra acabou! Se manda enquanto é tempo!”
O pior é que eu tinha razão: se os imbecis não tivessem decretado o isolamento total, todos seriam contaminados rapidamente e, rapidamente, ficariam imunizados, podendo continuar trabalhando naturalmente, fazendo a economia girar, impedindo empresas de fecharem e empresários ficarem contra o governo. E o Brasil ainda seria procurado por todos os países do mundo em busca de alimentos, tornando-se a grande economia do mundo pós-pandemia.
Grande parte dos velhos, deficientes, doentes crônicos e miseráveis vão morrer, diziam os cagões… E quem se importa com isto, po..a*! O velho já dizia que o Brasil só iria se tornar um país poderoso quando houvesse uma guerra e uns 30 mil brasileiros fossem mortos. A pandemia foi uma guerra e nada mais útil para o país que os 30 mil mortos fossem velhos, deficientes, doentes crônicos e miseráveis, basicamente aquela pretaiada das favelas e periferias. Seria uma limpeza em regra da raça. Os nazistas não fizeram isto com os judeus? E olha só a potência que é Israel hoje!
Enfim, a multidão ocupa a praça. E é muita gente mesmo! Tudo gado comunista! Nenhuma bandeira do Brasil, mas montes e montes de bandeiras do PT, do MST, do MTST, tem até umas do Flamengo, c…lho*! Gozado é que as lideranças pararam logo depois do busto do Juscelino. Deve começar aquela xaropada danada, cada idiota querendo provar que é um grande líder a guiar o povão em um dia histórico, enquanto uma turma verifica se as forças de segurança não estão entrincheiradas no Palácio.
Gozado, não estou vendo Boulos, Manoela, Haddad, Dino… e nem Lula no caminhão de som improvisado de palanque. Ele deve ser o último a falar mas, se não estiver escondido lá, só se chegar de helicóptero… Naquela massa compacta que se perde pela Esplanada, não passa nem mosca. Ou, então, vou ser obrigado a dar razão ao herói do Haiti, que entende de multidões revoltadas: a turba era turba mesmo, sem lideranças tradicionais, o povão querendo as cabeças pelas centenas de cadáveres nas filas de hospitais entupidos e sem condições de atender mais ninguém.
De repente, um pequeno grupo caminha pro Palácio. Vêm devagar, meio encurvados, temerosos, exceto uma ruiva que avança de cabeça erguida e sacudindo uma camisa vermelha. É chegada a hora. Pego o rifle que Leozim me entregou, faço mira e derrubo a mulher ruiva, recarrego e derrubo um gordinho que estacara logo atrás dela. Há um urro da multidão e um berro estridente: “’tá lá! É do 3° andar!” O grupo avançado levanta a ruiva e o gordinho por sobre suas cabeças e a turba se arremessa contra o Palácio.
Faço mira contra um cameraman da Globo que, do alto do caminhão de som, filma a invasão. Seria um recado para uma traidora dos valores pátrios, mas só acerto a câmera, não o operador. Que se assusta e se esconde… Faço mira, então, num sujeito de barba branca que parece Lula, mas não é… O tiro é certeiro e o sujeito cai. Tenho certeza que a Imprensa vai dizer, depois, que eu tentei matar o Lula e só não o fiz porque ele não estava lá.
Chega de tiro. Duvido que alguém vai querer me prender… Vou até a mesa central da sala. Da terceira gaveta, retiro o manto que eu mesmo costurei e dei pro velho há poucos dias atrás, quando parecia que a gente estava ganhando a guerra. Era um manto verde escuro, com o avesso azul claro e a faixa bordada em ouro (bordada por mim, também). O velho não gostou, ele detesta a ideia de que eu sei e gosto de costurar, mas sabia que não ia jogar fora. Um manto imperial era adequado à ocasião. Vesti, coloquei o rifle no colo, bem visível, e sentei na cadeira do presidente, à espera do povão idiota… (fim)