3.Vida versus vírus
Nosso hotel, Pod Times Square, tem hospedagem para todos os gostos. Nosso quarto, com beliche (com uma tevê para cada um), banheiro com uma ducha fantástica, era um corredor: se eu me sentasse pra usar o notebook, Lara tinha que ficar no beliche ou de pé, no outro canto. Nada mal, de qualquer modo, para quem está em Nova Iorque em busca de vida: gente, muita gente pelas ruas e avenidas, cartazes, painéis, iluminação ofuscante, shows, espetáculos, Brodway, Wall Street, museus, parques repletos de bikes, patinetes, patinação no gelo… e a Estátua da Liberdade!
O hotel fica no West Side, 42nd Street com a 9th Avenue. E só então me dei conta da estupidez de muitos amigos meus, de classe média alta, que consideram Nova Iorque a maior e mais fantástica cidade do mundo e criticam Brasília pelo endereçamento numérico ou geométrico. Qual a diferença entre West Side, 9th Avenue e 42nd Street e Asa Norte, W3 Sul e SQS 305?
Check in feito, guardamos as malas, botei outro casaco e saímos para a pulsante vida novaiorquina, à procura de uma bengala, do Majestic, pra comprar entradas pro Fantasma da Ópera e de um dos lugares já selecionados pela Lara pra almoçar. O newyorker não se recolhe por causa do frio, esta acostumado… mas a epidemia já começara a assustar governos, imprensa e redes sociais: ruas e avenidas de uma terça-feira em pleno dia não estavam regurgitando de gente… nem de carros.
Andar por West Side é fácil, mesmo para um semi-cego como eu: sobe a 42nd, vira à esquerda na 9th, segue até a 40nd, vira à direita pra 8th e lá está o Majestic. (quer dizer: Lara dizia e eu seguia… Não se se sozinho, conseguiria fazer fácil assim). Espetáculos de dia e de noite, todos os dias. Optamos por 5ª feira, às 20 horas. US$180 (não resisti, de novo: 180 x 5 = R$900,00… Vamos voltar, Lara?). Do outro lado da rua, a Pizzaria do Joe, uma das escolhidas pela Lara. Não dera meio dia ainda, mas depois de 20 horas entre aeroportos, aviões, ônibus e táxi, comer era preciso. Uma boa pizza margherita caiu bem: US$68 + gorjeta… (Não converte, pai! E eu obedeci!).
Quando meus pais se mudaram pra Belo Horizonte, a gente foi morar num quarto de hotel. Meu irmão ficara com a vó Sinhá, pra terminar o Grupo Escolar e, pra não me deixar sozinho no quarto, minha mãe me levava toda as vezes que saía pra fazer compras. Eu achava horrível isto e reclamava, mas ela era impositiva: ‘Vamos bater pernas, meu filho… Isto é bom pra saúde!’ Em Nova Iorque, eu fiquei extremamente saudável, apesar do coronavírus: bati pernas durante 05 dias: West Side, Down Town, Brodway, Wall Street, Central Park …
A vida não estava tão pulsante quanto eu gostaria. O medo da doença já estava atingindo todo mundo, mesmo turistas ávidos de levar recordações inesquecíveis para casa. Há uma tradição relativa à escultura do touro negro em frente à Bolsa de Valores em Wall Street: quem passar a mão nas bolas do touro ficará rico. Quando chegamos lá, havia dezenas de turistas, muitos brasileiros, fotografando, conversando, brincando com a tradição… Eu fui coçar o saco do touro e uma turista brasileira gritou: ‘Você é louco? Todo mundo passa a mão aí!’ Eu estava de luvas, aproveitei e segurei os chifres também… Quem sabe a riqueza viria em dobro!
Durante este bater de pernas por Nova Iorque, eu percebi como há negros gordos, muito gordos, pelas ruas da cidade, todos falando alto e num inglês intraduzível por mim (será que nosso Mito diria que estas pessoas são medidas em arrobas?). Eu já havia percebido isto a primeira vez que fui encontrar uma das minhas filhas em Washington. Naquela época, eu ainda falava o inglês, mas na conexão em Atlanta, eu não consegui entender bulufas do que os trabalhadores do aeroporto, todos negros, falavam… entre si e para nós, passageiros.
Outra coisa me pareceu surpreendente no meio das ruas: a quantidade de gente falando sozinha. No início, pensei que a grande cidade, em vez de significar vida para as pessoas, significava loucura, a ponto delas falarem, discutirem, brigarem consigo próprias enquanto caminhavam pelas ruas… Aí, percebi que elas falavam com o celular… Davam ordens, discutiam negócios, mandavam beijos… pelo celular!
Em meus tempos de Curso de Jornalismo, eu fui instado por um professor a ler um autor canadense, McLuhan. Aqui no Brasil, pelo menos no nosso meio, Informática era algo futurista, tanto que limitavam-se a nos ensinar o que eram bits e bytes como se fosse uma fórmula matemática. E McLuhan, muito antes da Internet e dos celulares, me ensinou algo surpreendente: os meios de comunicação como extensões do ser humano. 50 anos depois, eu via, nas ruas de Nova Iorque, exatamente o que aquilo significava.
Mesmo assim, com muitas pessoas preferindo conversar com seus celulares e com menos gente pelas ruas, a vida pulsa em Nova Iorque. As praças, os parques em meio a avenidas, os cafés a cada esquina, a maioria abertos 24 horas, nunca estão vazios. E como o mundo está presente na cidade! Negros, latinos, amarelos, brancos, daqui e de todo lugar, trabalhando ou passeando, estão em toda parte. E aqui e ali, dá pra perceber brasileiros, sempre falando e rindo muito alto, felizes da vida por estarem no centro do mundo. (continua amanhã)