Eu estou recasado há quase 30 anos, numa família muito grande – são 08 filhos – e muito unida. Que tinha uma tradição sagrada, igual a tantas famílias: reunir-se na casa do pai (a mãe havia morrido quando a mais velha tinha 16 para 17 anos). Depois que eu comprei uma chácara a uns 70 Km de Brasília, a tradição foi dividida: todos iam para a chácara, inclusive o pai, para passar o fim de semana, reunindo-se na casa do ‘velho’ em ocasiões especiais.
Como costuma acontecer nestas reuniões, as mulheres (são 06 irmãs e apenas uma mora longe) iam para a cozinha e os homens se reuniam em volta duma mesa para beber cerveja e jogar baralho (por favor, não entendam isto como machismo explícito… As mulheres da família adoram cozinhar!). Nos primeiros tempos, jogávamos mau-mau, com baralho comum, depois chamado can-can, com baralho especifico do jogo. Algumas vezes, os mais jovens preferiam o truco, que eu nunca apreciei.
A partir de um determinado tempo, lá se vão uns 25, 26 anos, começamos a jogar pôquer, uns dias, ou pif-paf, outros. E, criativos, acabamos inventando outro jogo, que é a mistura dos dois, ao qual demos o nome de Millim, de milhinho ou mil réis,
Quem gosta de jogo de cartas – e é muito difícil alguém não gostar, mesmo que não jogue – sabe que no pif-paf, que é um jogo familiar, ganha quem “bate” com as 09 (cartas) ou com as 10 e, no pôquer, que é um jogo de apostas mesmo, ganha quem tiver o tipo de jogo mais “alto”: dupla, trinca, quadra, full hand, four, seqüências e flushs. Com elementos dos dois jogos, a gente criou o Millim: mesmo número de cartas para cada jogador, mesma forma de jogar e “bater” do pif-paf, mas com as variações de batidas do pôquer, cada “batida” implicando num número de sementes de milho ou bagos (o marcador) que o jogador “puxava” para si.
Hoje, por problemas de visão, não jogo mais, senão perderia todas, mas cunhados, concunhados e filhos e sobrinhos, que cresceram vendo a gente jogar, mais os genros, continuam jogando com o mesmo entusiasmo que perdurou nestes 25 anos. E, para mim, tem um fator que contribui, enormemente, para a manutenção deste entusiasmo: as infinitas possibilidades de “batidas” dadas pelo jogo! A cada semana que a turma se reúne para um Millim, há sempre alguém sugerindo um novo tipo de “batida”, seja aquela com 12 cartas, as 10 da mão mais duas jogadas sucessivamente no “lixo”, seja aquela com 05 cartas ímpares (As, 03, 05, 07 e 09) de mesma cor (vermelha) mais 05 cartas pares (02, 04, 06, 08 e 10) da outra cor (preta). Muitas sugestões são descartadas na hora pelos demais, por falta de “substância”, mas os autores não desistem… na semana seguinte, têm novos tipos de “batida” para sugerir. Às vezes, uma agrada os demais e ela é incorporada ao jogo, que já tem umas 30 formas de “batidas”…
Não sei bem porque, mas estas infinitas possibilidades do Millim me vieram à cabeça ao ler sobre a última operação da Polícia Federal , que a grande imprensa fez questão de manchetear, como “PF deflagra operação para investigar a Odebrecht e pessoas ligadas a Lula”, segundo O Globo, ou “Sobrinho de Lula é levado coercitivamente para depor em operação da PF”, segundo o portal da Veja, ou “Taiguara Rodrigues de Souza, sobrinho do ex-presidente Lula, é alvo de operação da PF”, segundo a “Coluna do Estadão”, ou “Polícia Federal ouve sobrinho da primeira mulher de Lula”, matéria de 7,34 minutos do Jornal Nacional.
Imagino que a relação que fiz com o Millim é, exatamente, pelo entusiasmo permanente dos participantes pelo jogo mais as infinitas possibilidades de vencê-lo mais a constante busca de novas formas de “bater” a partida para sair vencedor. No jogo político comparado, “bater” a partida significa “pegar” o Lula, algo que partidos liberais e de direita e membros de instituições, como procuradores, policiais federais e juízes, tentam há uns 25 anos também, sem sucesso (a perseguição começou antes, na época da ditadura, quando ele era líder sindical, mas, naqueles tempos, muita gente era perseguida, não era alguma coisa específica contra o Lula).
A primeira acusação diretamente contra ele que eu me lembro foi num debate eleitoral da TV Globo em 1989. Luiz Carlos Azenha, em seu blog (http://www.viomundo. com.br/opiniao-do-blog/o-tres-em-um-lula-em-guaruja-25-anos-depois.html) conta melhor do que eu: “Durante o debate, Collor “acusou” Lula de um pecado imperdoável para um operário “igualzinho a você” — o slogan utilizado pela campanha de Lula: ter um “três em um” sofisticado. O simbolismo era inescapável: o dirigente sindical teria dirigido as grandes greves do ABC em busca de vantagens pessoais. Era um aproveitador. Nos bastidores, dizia-se também que Lula tinha abandonado a cachaça e aderido ao uísque importado, como se isso fosse um crime lesa Pátria.”
Logo depois, outra acusação seriíssima… e falsa: a propaganda de Collor colocou no horário eleitoral gratuito, justamente quando Lula estava prestes a alcançá-lo nas pesquisas, o depoimento de Miriam Cordeiro dizendo que o então metalúrgico a deixara após o início da gravidez e que pedira para ela fazer o aborto da filha, Luriam. Evidentemente, a grande imprensa, que deu intensa repercussão à acusação, não divulgou que a ex-namorada de Lula recebera dinheiro da campanha de Collor para fazer a acusação, o que, por si só, já desqualificaria o depoimento.
Desde então, a perseguição se tornou implacável, antes e durante as campanhas eleitorais derrotadas contra Fernando Henrique Cardoso, e vitoriosas contra José Serra e Geraldo Alkmin, durante seus dois períodos de governo e, mesmo, nas campanhas vitoriosas de Dilma Roussef, quando Lula nem candidato era.
Mais que isto: nesses períodos, a família de Lula também entrou na dança, principalmente Lulinha, seu filho mais velho, que “enriqueceu” da noite para o dia, tornando –se sócio da JBS-Friboi, a maior companhia privada brasileira, além de possuir centenas de fazendas, com uma sede colossal numa delas (a foto desta “sede” foi espalhada pelas redes sociais e era mostrada sempre que alguém contestava a informação, até que se provou, sem qualquer sombra de dúvida, que a foto era da ESALQ, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz, de Piracicaba, São Paulo.
A propósito, lembro um fato que se deu comigo: conheço um general de pijama, através de amigos comuns; certo dia, num churrasco, ele me chamou para um canto e, sabendo que eu era jornalista, apesar de aposentado, disse que precisava me revelar um fato que tomara conhecimento. E disse, todo misterioso: “uma prima minha que mora no norte do Tocantins, me contou que uma amiga íntima dela estava num cartório em Araguaína, quando viu chegar o Lula, cercado de seguranças, e, com aquele jeitão popular dele, conversando com todo mundo, abraçando uns, dando tapinhas nas costas de outros, passou na frente de todos, sentou com o tabelião e assinou a escritura de uma fazenda da região com 102 mil hectares… A amiga da minha prima viu!” Contra-argumentar quem havia de?
Nos últimos tempos, com a perspectiva de Lula se candidatar a presidente em 2018, a perseguição se tornou profissional. Os engomadinhos da força-tarefa da Lava Jato e figuras patéticas como um procurador de São Paulo – que adora operações espetaculosas e midiáticas – e outro de Brasília – que se envolveu em problemas amorosos/religiosos e foi expulso do MP – pegaram no pé de Lula, por causa de um triplex na praia de Guarujá e um sítio na cidade de Atibaia, interior de São Paulo, com direito a denúncias relativas a barco de lata, pedalinhos com nome dos netos do ex-presidente e compra de móveis ‘chiques’ informadas por vizinhos, porteiros e ex-donas de lojas de construção. Quer dizer, presidente do país durante 08 anos, responsável por contratos de bilhões de reais, Lula recebeu de presente dos poderosos um triplex no Guarujá e um sítio com barco de lata e pedalinhos em Atibaia!!!!! Deve ser por isto que eles não se conformam: como naquela novela da TV Globo das 18 horas, a vilã loura falsa vive xingando o irmão, que se apaixonou pela empregadinha, de ter “espírito de pobre”…
Sinceramente, o que tais figuras não perceberam ainda é que Lula está fora do alcance deles. Como no meu joguinho familiar, independentemente das dezenas, centenas, milhares de formas de “bater” o jogo que forem propostas, o Millim já faz parte da história da família e continuará sendo jogado por filhos, netos, bisnetos… Como Lula! Sendo candidato ou não em 2018 (e eu acredito que não será!), sendo preso ou não pelo exército de medíocres que continua tentando, ele já está gravado na história dos brasileiros.