O primeiro livro de Jorge Amado que li, ainda muito novo, foi ‘O país do Carnaval’. Foi seu primeiro romance, escrito aos 18 anos, antes dele entrar na Juventude Comunista, e foi publicado em 1931. Lembrei-me dele neste Carnaval porque, apesar de já se terem passado quase 90 anos, o tema desenvolvido no romance continua inalterado: o Brasil de riquezas mil que não se leva e nem é levado a sério, não conseguindo se tornar uma Nação.
Em resumo, a história é simples: o herdeiro de um rico produtor de cacau volta à Bahia após estudar na Europa por alguns anos. Em Salvador se liga a um grupo de intelectuais típicos, boêmios que se encontram em botequins e puteiros, onde discutem apaixonadamente amor, religião, filosofia, política e governo, criticando-o e propondo soluções para o país e para o povo. Discutem, mas nunca agem. O herói, europeizado, não aceita o clima de eterno carnaval do país, que considera alienante, mas, ao mesmo tempo, é atraído pela alegria, a falta de compromisso, a safadeza e a paixão deste povo nos dias de Carnaval. (Na verdade, como bem demonstra toda a obra de Jorge Amado, alegria, falta de compromisso, safadeza e paixão não são exclusividade dos dias de Carnaval…)
Alguma diferença dos dias de hoje? O país vive uma crise institucional que pode desembocar na derrocada da democracia, seja pela implantação de uma ditadura militar, seja pela dominação das estruturas econômicas e das próprias instituições pelo baixo clero empresarial e por organizações criminosas, hoje associadas às milícias bem armadas e bem representadas politicamente, até mesmo em Brasília.
Nos últimos dias, pré-carnavalescos, houve um crescendo nos sinais gritantes desta situação, que vem sendo claramente implementada no país desde o impeachment de 2016. Começou com uma agressão grosseira e despropositada de um presidente da República a uma jornalista que fora caluniada por um depoente na CPI das Fake News. A jornalista, responsável por reportagens denunciando a compra e uso de robôs digitais para disseminar mensagens mentirosas e caluniadoras pelas redes digitais, foi acusada falsamente, pelo depoente, de se oferecer sexualmente a ele em troca de informações contra o presidente. E este ecoou a acusação, fazendo um chiste para jornalistas e sua claque de plantão: “Ela queria dar o furo!”
Goebbels, o mago da propaganda nazista, conquistou corações e mentes de milhões de alemães fundamentado em 11 princípios por ele idealizados. Um deles se chama Princípio da Vulgarização, que é transformar toda e qualquer ação dos ‘inimigos’ em coisa torpe e de má índole: (as multidões precisam acreditar que) ‘as ações do inimigo são vulgares, ordinárias, fáceis de descobrir’, pregava ele. A grande imprensa – apesar do puxa-saquismo bem remunerado de Record, SBT, Band e RedeTV – e jornalistas em geral são considerados inimigos preferenciais pelo Mito e, em toda e qualquer oportunidade, ele os demoniza, insulta e desrespeita. Vulgarizar uma jornalista profissional, respeitada nacional e internacionalmente, é, claro, um detonador dos baixos instintos das propaladas multidões que o seguem…
Além do Mito, filhos, ministros e a tropa robótica também assestaram seus canhões contra imaginários ou possíveis inimigos, fossem estes os funcionários públicos, chamados de parasitas, as empregadas domésticas, insultadas por ‘voarem até Disney, em vez de irem de ônibus para Cachoeiro do Itapemirim’, os nobres parlamentares, mandados se fu…..m* por serem chantagistas, os governadores, incriminados pela alta da gasolina e, claro, os petistas, responsabilizados pela morte de amigo dos Bolsonaro, mas também miliciano, chefe do Escritório do Crime no Rio de Janeiro e fugitivo da lei, o “heroico” Capitão Adriano da Nóbrega.
Completando este cenário de baixo nível, o país entrou no mês do Carnaval debaixo de chuvas torrenciais que provocaram desastres e mortes em Minas, Espírito Santo e São Paulo, sob uma rebelião da Polícia Militar do Ceará, que resultou na morte de 150 pessoas em 06 dias e na tentativa de assassinato de um senador da República e com o dólar batendo recordes históricos de valorização frente ao real, para alegria dos tecno-burocratas econômicos do governo e dos rentistas nacionais e estrangeiros, que transformaram a economia brasileira num cassino viciado.
E aqui eu volto a Jorge Amado e seu país do Carnaval. Vestidas as fantasias e botados os blocos nas ruas, alguém – Executivo, Congresso, Judiciário, Forças Armadas, Poder Econômico, população em geral – está preocupada com isto? De jeito nenhum! O Brasil pode virar uma ditadura ou uma Miliciocracia… a gasolina pode pular para R$6,00 o litro, o dólar chegar aos R$7,00, os PMs mascarados de Sobral matarem mais umas 100 pessoas que ninguém está nem aí. Todos, num coro só, imitam o general Augusto Heleno: “Pho..-se*!”