Há 45 anos atrás, os mais velhos da família eram jovens e os menos velhos eram crianças (minha mulher tinha 06 anos, então). Eu era universitário e tinha sido eleito vice-presidente do Diretório Acadêmico – que estava fechado há uns 05 anos por protestar contra a ditadura militar – da FAFICH, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG.
Enquanto Idalísio Aranha, o presidente, fazia o meio de campo político, conversando com diretores e reitor e, junto com eles, com autoridades civis e militares, tentando convencê-los que o DA em funcionamento era melhor – “mais controlável” (a gente sabia ser “político e safado”, também) – do que na clandestinidade, eu e Carlos Magno, o diretor administrativo, arrecadávamos dinheiro para bancar a reabertura da cantina, que seria mantida pelo DA e, quiçá, do restaurante, para evitar que os estudantes tivessem que se deslocar para outras faculdades para uso dos restaurantes da Mendes Pimentel (fundação da UFMG que geria os restaurantes universitários).
Uma das formas de arrecadação era promover espetáculos, encenar peças de teatro, aproveitando, inclusive, a Semana dos Calouros (eu ainda tenho o folheto de apresentação de Babel, um espetáculo teatral com várias peças de alunos da FAFICH, duas minhas inclusive, encenadas em 1970).
Estas lembranças saudosas, embora tristes – a época era triste, com muitas perseguições, prisões e mortes – me vêm à mente agora, depois que li/assisti matéria e vídeo de manifestantes que ocuparam o Palácio Gustavo Capanema, no Rio, para protestar contra a absorção do ministério da Cultura pelo ministério da Educação neste governo interino de Michel Temer. Fiquei arrepiado vendo aquele monte de gente, numa só voz, cantando ‘Fora Temer’, ao ritmo de Carmina Burana, de Carl Orff.
Para quem não gosta de música clássica, Carl Orff foi um compositor alemão, que musicou poemas e textos dramáticos do século XIII, sob o nome de Carmina Burana (Canções de Benediktbeuern), uma música, por si só, muito arrepiante, feita sobre textos como este: “Oh, sorte//És como a lua//Estado variável//Sempre crescendo//Ou decrescendo //Vida detestável//Primeiro oprime//Depois alivia//A mente só por diversão//Pobreza //Poder//Dissolvem como gelo…// Destino monstruoso//E vazio//Tu, Roda da Sorte//És malevolente//Bondade em vão//Que sempre leva a nada//Obscura//E velada//Também me amaldiçoaste//Agora – por diversão//Trago o dorso nu//E entrego à tua perversidade//O destino da saúde//E virtude//Agora me é contrária//Dás (afeto)//E tiras (afeto)//mantendo sempre escravizado//Então agora//Sem demora//Tange a corda vibrante//Porque a sorte//Extermina o forte//Chorais todos comigo//.
Há 45 anos atrás, cada um dos espetáculos, shows ou peças teatrais organizados por estudantes ou, mesmo, pelos próprios artistas, tinha que ser pensado com infinito cuidado e organizado com bastante antecedência, porque o normal era ser considerado “ato de rebeldia”, como diziam os militares, donos do poder, sendo acompanhado ostensivamente pela polícia, quando não era proibido sem apelação.
No caso dos manifestantes do Rio, a imagem e áudio são bem claros: a orquestra começa a tocar e, imediata e espontaneamente, o público presente entoa Fora Temer, acompanhando o ritmo da música. Sabendo que, em pouco tempo, o vídeo viralizou nas redes sociais, através dos celulares, me vem a absoluta certeza de que boa parte da população brasileira está bem consciente de que houve um golpe contra a democracia no país, perpetra
do por velhas raposas da política, preocupadas apenas em satisfazer seus próprios umbigos.
Se com 05 dias de interinato, tem gente pacífica protestando publicament
e, é grande a esperança da minha geração, que teve que brigar 21 anos para acabar com uma ditadura, de anular este golpe bem mais rapidamente.
Para quem se interessar por um bom momento de emoção, busque “Há o que vira História em poucos minutos. Veja a versão “plus” do Carmina Burana do “Fora Temer”, em http://www.tijolaco.com.br/blog/