Verdade e ética

 

Quando entrei no Curso de Jornalismo, em Belo Horizonte, tive um professor, Jacques do Prado, que era implacável com a impulsividade natural dos alunos, ansiosos por começar a fuçar fatos e vidas, em busca de furos que nos dessem fama e glória. Batia ele, aula sim e outra também: algo como ‘a ética é essencial para um jornalista... Jornalismo sem ética é lixo!’ O mestre se preocupava muito com a nossa certeza ainda  juvenil de que, para nos tornarmos bons jornalistas, bastava-nos buscar a verdade dos fatos que iríamos narrar para os leitores. Ainda não aprendêramos que a verdade pode ter mais de uma face, dependendo do ponto de vista de quem estivéssemos ouvindo e transformando em notícia.  Por isto, sua insistência em priorizar a ética como postura essencial do jornalista
Isto me vem a lembrança hoje, quando, aposentado e dispondo de Internet, tenho tempo para ler jornais e revistas e sapear os noticiários televisivos. E me pergunto:  se a verdade depende do ponto de vista, onde foi  parar a ética jornalística?  Observem o comportamento da mídia em dois assuntos atualíssimos: o impeachment da presidenta Dilma e a nomeação do ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil.
No primeiro caso, a presidenta deu entrevistas e fez discursos incisivos tornando claro que ela considera o impeachment é um processo constitucional legítimo mas, se não houver  motivos claramente determinados pela Constituição para ele ser aplicado, então é golpe. A grande imprensa, no entanto, insiste em publicar as opiniões de sumidades jurídicas, juízes da Corte Suprema e especialistas reafirmando a legitimidade constitucional do impeachment, como se a presidenta estivesse afirmando que o impeachment fosse golpe. Em nenhum momento, porém, a grande imprensa discute se os motivos que levaram a Câmara a iniciar o processo são legítimos ou não… Ou seja, pela boca de seus entrevistados, a grande imprensa diz uma verdade – o processo de impeachment está na Constituição – mas esconde que para ele ser legitimado, precisa de motivos que, até agora, não foram apresentados. Existe ética nisto?
No segundo caso, a grande imprensa não teve quaisquer pruridos: o ex-presidente Lula estava sendo indicado para ministro da Casa Civil para “fugir” da Operação Lava Jato, isto é, da Justiça. Ora, a única coisa que o presidente teria, se assumisse o cargo de ministro, era o foro privilegiado, mantendo-se a mesma investigação tanto da Polícia Federal quanto da Procuradoria da República, só que com julgamento do  Supremo Tribunal Federal e não mais da 1ª instância do juiz Moro. Ou seja, a grande imprensa diz uma verdade – com o cargo, Lula escapa de Moro – mas esconde que ele continua sendo investigado, podendo ser julgado do mesmo modo. Existe ética nisto?
 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *