Em 1963 em tinha 15 anos. Até então, podia ser considerado um aluno exemplar mas, sempre escondido atrás de uma crônica timidez, procurava não aparecer muito, a não ser no futebol de salão que, nesta época, já tinha parado de jogar por causa da miopia. Aos 15 anos fazia o 3º ano ginasial do Colégio Estadual, um colégio público mas, ainda, o melhor colégio de Belo Horizonte.
Nunca consegui provar os boatos que corriam à época, mas o fato concreto é que minha turma, só de garotos, era mista em termos de capacidade e educação dos alunos. Ou seja: diziam os boatos que o método de ensino que estava sendo testado no Colégio Estadual à época era misturar bons e comportados com maus e bagunceiros alunos, para criar uma sinergia positiva: o exemplo dos bons ensinava os maus… No meu caso, não deu certo: eu tomei bomba pela primeira e única vez na vida.
Havia outras razões, claro! A ‘passagem’ de menino para rapaz, a influência dos hormônios sobre a personalidade tímida, a ebulição política sobre um jovem que já lera muitos livros políticos e filosóficos, a necessidade de trocar a muleta do futebol de salão por uma atuação ativa em outra área que não dependesse de condições físicas, mas de postura intelectual. E o natural choque de gerações: bolero é coisa de velho, bom mesmo é o twist, principalmente se tiver cuba libre junto!
O fato é que eu sou um produto desta época. Filho de médico com dona de casa, criado num centro urbano em expansão e sofrendo as influências de pais meio tradicionais e meio liberais e de uma sociedade conservadora, quase arcaica, que ainda acreditava que a palavra do Papa era a palavra de Deus e que os comunistas comiam criancinhas. E que saiu às ruas para derrubar um presidente eleito democraticamente. Eu criticava tudo isto, mas era tímido de mais para carregar bandeira e falar alto…
Tomando bomba pela primeira vez e mesmo meu pai sendo implacável (eu teria que arrumar um emprego para sustentar minha “vagabundagem” e meus “vícios”), me levou para conhecer o mar, no Rio de Janeiro, em março de 1964. Meus pais e o pai da minha secreta amada de então (ela nem desconfiava!) combinaram o programa para a Semana Santa e lá ficamos até 31 de março de 1964, dia da “Rebordosa”.
Na chegada da litorina em Belo Horizonte, enquanto os tanques do general Mourão desciam a BR-3 a caminho do Rio , havia uma centena de milicos na praça da Estação. A litorina parou, dezenas de soldados a invadiram e universitários e um professor foram presos… Mas a vida continuou… Meus pais não protestaram, não se manifestaram, se omitiram como a imensa maioria da população brasileira, parte dela concordando com uma nova ordem, os militares no poder, “para por ordem, respeito e fé em Deus, na balbúrdia em que estava o país!”
Os militares foram o poder durante 21 anos, de 1964 a a 1985… Independentemente do Lado Negro da Força, mudou alguma coisa no país? Do mesmo modo, a democracia vigora no Brasil desde 1985… Independentemente do Lado Branco da Força, mudou alguma coisa no país? É óbvio que o Brasil de 2018/19 não é igual ao de 1963/64… O mundo todo evoluiu técnica, científica, econômica e socialmente, o que não aconteceu com o Brasil com a mesma intensidade.
Na década de 60, o Brasil estava em plena mudança de um perfil fundamentalmente rural, dependente da agropecuária, para um perfil mais urbano, ainda dependente do campo, mas já dividindo esta dependência com a industrialização, graças aos governos de Vargas e JK, que foram violentamente combatidos pelo conservadorismo nacional, o que demonstra que a elite brasileira sempre foi coerente: ela defende exclusivamente seu próprio umbigo… o Brasil é, apenas, o lugar onde ela ganha dinheiro e aumenta riquezas e privilégios…. (continua 5ª feira)