Uma observação de quem conviveu durante quase 30 anos com a burocracia estatal: até o governo Collor, a empresa estatal em que eu trabalhava era de pequeno porte, e as mordomias para chefes e gerentes se resumiam a secretárias e o cafezinho, que a gente tinha queir buscar na copa (ou as secretárias iam, claro!)
Collor, o caçador de marajás, foi eleito e, rapidamente,
tentou justificar o ‘slogan’ que lhe foi dado pela grande imprensa: fechou órgãos estatais, fundiu outros, demitiu funcionários aos montões (a maioria foi readmitida pelo Itamar, a partir de um famoso decreto de anistia).
A fusão da empresa em que eu trabalhava com outras duas tornou-a uma grande estatal. E, como minha área, Comunicação, estava diretamente ligada à presidência, passei a ter o direito de tomar cafezinho servido por garçons, também funcionários da empresa.
Enquanto estive na ativa, havia dois garçons que se revezavam no atendimento ao terceiro andar da empresa, onde ficava a presidência, sua assessoria e as áreas de Comunicação e Auditoria, Vicente e Paulinho.
Nos 12 anos em que eu ainda permaneci na ativa, desde a fusão das empresas, fui coordenador, chefe de setor e, até, assessor do presidente e, muitas vezes, não tinha qualquer acesso às decisões mais importantes da empresa, apesar de ser responsável por divulgá-las ou rechaçar acusações da grande imprensa, por elas comportarem dúbias interpretações.
Como jornalista da velha guarda (os da atualidade, ao que parece, só conhecem os caminhos traçados pelos donos, que lhes são ditados pelos chefes de redação e editores), sabia os caminhos para puxar os cordões de decisões obscuras ou secretas de uma diretoria: conversar com as secretárias, com os assessores diretos e com… os garçons, servidores de cafezinho nas reuniões fechadas!
Nos 12 anos em que ainda permaneci na ativa, nunca consegui “arrancar” nada, absolutamente nada, de Vicente e Paulinho. Assessores costumam falar muito... Sempre em ‘off’, e sempre pedindo para manter segredo, já que eu era jornalista, mas da empresa, eles gostavam de mostrar intimidade com o poder, “que o presidente lhes mandou isto, que o ministro havia ordenado aquilo, que o presidente da República estava interessado na solução de um determinado problema que cabia a ele resolver…”
Secretárias são também muito discretas mas, dependendo do chefe que secretariam, podem ser indiscretas amigas que, devidamente conversadas, indicam até o motel em que o chefe foi se encontrar com a amante.
Já os garçons… tenho certeza que há um código de ética profissional que os torna inaccessíveis a conversas ao pé do ouvido. Sem falar, claro, na impossibilidade, durante os 05, 10 minutos em que ele permanece na sala, servindo o cafezinho às autoridades presentes, de ele captar o tom das discussões, as possíveis mutretas que estão sendo combinadas ou, mesmo, as decisões que são tomadas… no máximo, diriam o tema que poderiam estar debatendo!
Mas, o governo interino do presidente Temer tem certeza que isto é possível. Pois sua justificativa para demitir o garçon José Catalão, que servia o cafezinho da presidência da República há 08 anos, foi justamente esta: “pela desconfiança de que ele pudesse passar ao grupo de Dilma Roussef informações que, entre um café e outro, ouvisse dentro dos gabinetes”, conforme publicado pela colunista Natuza Nery no Painel, da Folha de São Paulo. Repito: “entre um café e outro…”
Aliás, convictos de que todas as pessoas são e agem como eles próprios – se vislumbrarem ganhos , traem! – os novos ocupantes do Planalto foram rápidos e rasteiros: conforme o blog do Marcelo Auler (www.marceloauler.com.br), desde a quinta feira, dia 12/05, já dispensaram 30 secretárias e assessores, sem falar dos contínuos. E não ficará só nisso…
Afinal de contas, segundo informações divulgadas por estes dias, dos 808.618 servidores do governo, 107.121, ou 13,2%, são de cargos comissionados, ocupados por não concursados, indicados pelo governo de plantão e seus aliados e, do total destes cargos indicados politicamente, 10.200, ou 9,5%, são ocupados por filiados ao PT, que está governando o país desde 2002 (o tal de aparelhamento do Estado, tão denunciado pela grande imprensa).
Perder emprego não é agradável em qualquer circunstância, porém, seria até compreensível o corte razoável de pessoal do Palácio do Planalto se o governo interino estivesse seguindo um dos conselhos prescritos pelo indicado presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, para resolver a “crise” brasileira: “cortar na própria carne”.
Mas, convivendo com a burocracia durante quase 30 anos, tenho absoluta certeza que as demissões tem justificativa mais infame ainda: todos serão substituídos por aliados e apaniguados, cada vaga sendo ocupada por dois ou três, considerando as tradições políticas dos novos patrões.