A Latinoamérica está explodindo em revoltas anti governistas. Alguns países, em eleições livres, outros em golpes constitucionais ou policiais, mudaram o sinal de comando. E, em uns e outros, o povo está saindo às ruas, inconformado com os rumos adotados pelos novos governantes. Milhares de argentinos, chilenos, equatorianos, peruanos, bolivianos e colombianos protestam e desafiam policiais e militares pelas ruas e avenidas… Brasileiros não!
Os brasileiros cansaram suas belezas batendo panelas, vestindo camisas amarelas e balançando auriverdes pendões nas manifestações de 2013, que ajudaram a derrubar uma presidenta inábil mas honesta e, agora, voltaram ao bovinismo secular, vendo a floresta pegar fogo, o mar escurecer, enchendo ruas e avenidas de filas em busca de empregos, de atendimentos do SUS e de vagas em escolas públicas e à espera de macas nos corredores dos hospitais públicos.
O povão se agarra aos empregos ainda existentes ou transforma ruas e avenidas em pontos de venda de qualquer coisa que possa atrair a atenção de compradores, aquela classe média motorizada que ainda dispõe de recursos para pagar gasolina a R$5,00 o litro e que, agora, se rejubila com a Estátua da Liberdade das Lojas Havan, já que Nova Iorque e Miami ficaram muito longe. E a classe alta, desinteressada do país como sempre, esfrega as mãos porque, com quase 13 milhões de desempregados, voltou a ter domésticas para, se necessário, bater panelas ou empurrar carrinhos de bebê em passeatas, como em 2013.
Enfim, é o Brasil de sempre, aquele país do futuro que foi imortalizado em livro de Stefan Zweig, um alemão que veio se refugiar no Brasil durante o domínio nazista na Alemanha. E que, tudo indica, continuará sendo do futuro, porque o presente já está comprometido por algumas décadas. Afinal, a elite já decidiu… e a grande imprensa comprou a ideia: o Brasil está dividido entre o lulopetismo e o bolsonarismo, 30% da população para um lado e 30% da população para o outro… que vão se digladiar durante alguns anos, se o AI-5 não vier, enquanto os 40% restantes vão continuar sentindo pra que lado o vento toca e seguindo a maré mais favorável.
Nos tempos sombrios, mesmo na fase mais brutal da ditadura, a gente tinha esperança de mudar o Brasil. Com jornais censurados, artistas amordaçados, músicos exilados e estudantes presos, torturados e mortos, a gente conseguia abrir frestas por onde alguém conseguia berrar democracia e liberdade. Ambas estão claudicando, mas permanecem vivas no Brasil de hoje… E onde estão os berrantes de outrora? Estão velhos, cansados, acomodados à vida burguesa que lhes foi proporcionada pela democracia que conquistaram nos 35 anos pós ditadura.
Para nós, os tempos de enfrentamento se foram… há apenas uma guerra pela frente, contra a morte, que virá inapelavelmente. Mas e os que nasceram e cresceram enquanto a democracia estava sendo cultivada e fortalecida pela minha geração? Os que, nestes últimos 35 anos, puderam gozar do direito de ir e vir, do direito de escrever, ler e falar o que pensavam, do direito de escolher seu próprio caminho, do direito de votar e ser votado, do direito de cultuar seu deus particular, do direito de viver sua própria sexualidade, do direito absoluto de ser livre, enfim.
Todos estes direitos correm sérios riscos novamente. Mas, fora das redes sociais, a apatia prevalece. Todos esperam… as ‘reformas salvadoras’ que só serão pautadas o ano que vem, o crescimento econômico, que dependia da reforma da Prrevidência e, agora, depende das ‘reformas salvadoras’ e, por isso, só acontecerá em 2021, do aluvião de empregos, que depende do crescimento econômico, que não acontecerá ano que vem, um ano que termina em abril porque tem eleições municipais!
Todos esperam… a aprovação do pacote anti-crime do ex-juiz Moro, a liberação de documentos entre UIF, Receita e procuradores, a causa das manchas de óleo nas praias nordestinas, agora pintando no sul maravilha, as indenizações prometidas pela Vale aos familiares dos mortos no desastre da barragem de Brumadinho, a continuação das investigações de malfeitos do senador Flávio Bolsonaro, o depoimento de Queróz aos procuradores, a perícia técnica das gravações do Condomínio Vivendas da Barra, a solução do assassinato de Marielle e seu motorista, indiciando assassinos e mandantes.
Todos esperam, enfim, o 2° julgamento de Lula no TRF-4, quando os desembargadores confirmarão a sentença ‘copia e cola” da juíza Gabriela Hardt, o julgamento da parcialidade do ex-juiz Moro em relação à Lula na 2ª Turma do STJ, a aprovação da prisão em 2ª Instância pelo Congresso Nacional, as férias parlamentares, as férias judiciais, a próxima apresentação musical do ministro (sic) da Educação, o próximo objeto sexual demonizado por dona Damares.
Infelizmente, não é a mesma esperança que tínhamos nos tempos brutais da ditadura, uma esperança eivada de uma profunda certeza que os ventos haveriam de mudar. Hoje, há apenas a espera. Um enrosco esperado é resolvido e a gente se pergunta, apenas: e daí! Outro enrosco é resolvido, e a gente se pergunta, novamente: e daí? E entre uma espera e outra, os bolsonaros abrem as penas do país a todas e quaisquer milícias que atuam clandestinamente, legalizando seus crimes.
Na verdade, estamos todos idiotas!