Na ditadura, quando biquines foram mostrados pela primeira vez numa loja de Belo Horizonte, um deputado gritou da tribuna: “Ninguém levantará a saia da mulher mineira!” Mais de 50 anos depois, a ministra (sic) dos Direitos Humanos, das Mulheres e da Infância , dona Damares, vai a uma tal de Cúpula da Demografia na Hungria e concorda em gênero, número e grau com os princípios do encontro: “A imigração deve ser evitada. Famílias são apenas aquelas entre homem e mulher. As agências da ONU são “inimigas” das crianças e o encolhimento do Ocidente é uma ameaça maior que mudanças climáticas. O feminismo? Uma ameaça ao casamento tradicional….”
O pano de fundo da Cúpula foi o alerta lançado sobre o risco de encolhimento de certas populações no Ocidente e a constatação de que não estão dispostos a “substituir seu perfil branco e cristão por uma sociedade mais diversa, com imigrantes….” Solução proposta pela Cúpula: “incentivar que famílias voltem a ter um número maior de filhos. E, para isso, a família “tradicional” e as “vontades de Deus” precisam ser respeitadas….” (Ou seja: os brancos precisam transar mais… sem camisinha e só depois de casados na igreja ou templo!)
Eu aprendi, ao longo da minha já longa vida, que o Brasil é um Estado laico, ou seja, uma ou quaisquer religiões não podem determinar as razões de Estado. Dona Damares é uma pastora neo-pentecostal que acredita que Deus, seu pastor e sua igreja é a única razão de tudo e de todos. Só que seu deus é aquele tradicional, dos meus tempos de infância. Padre Carlos (Karl, na verdade, prussiano que era) estava sempre mostrando o fogo do inferno para quem não obedecesse as regras ditadas. Eu evoluí, a Igreja evoluiu, Francisco é um papa que compreende e respeita o ser humano muito mais que Trumps, Putins, Bolsonaros ou Damares… Pena que o mundo se tornou financista: tentar ficar rico na loteira ou pastorando ovelhas ignorantes é muito melhor que brigar pela Justiça, pela Democracia, pela Liberdade…
Há quase 02 mil anos, um nazareno, filho de um carpinteiro e uma ‘virgem’, confrontou o poder de então. Foi preso, crucificado e morto aos 33 anos… mas seus ensinamentos sobrevivem até hoje, passados quase 20 séculos… Seus ensinamentos – amor, paz, respeito, honestidade, fé – continuam sendo explorados pelos seres humanos como objetos de venda de religiões, da política e da própria crença em um Deus onipotente, onisciscente e onipresente…
Enquanto isto, quem tem dinheiro, manda!
E me emputece profundamente ouvir um crente, como Deltan Dallagnol, membro ‘iluminado’ de uma igreja batista e coordenador de uma operação oficial da Procuradoria Geral da República, chamar um ex-presidente desta mesma República como 9, aludindo à falta de um dedo do ex-presidente Lula, perdido quando era operário de uma fábrica.
Me emputece ouvir uma jovem e bela procuradora federal, com origens germano-italianas, Burmann Viecili, especializada exatamente em tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais e que, justo por isto, deveria defender o respeito absoluto ao cidadão, em meio às discussões e gozações sobre a liberação ou não de um preso para ir ao enterro da esposa, ironizar: “Querem que eu vá ao enterro?”
Me emputece, enfim, o Brasil que as gerações pós ditadura estão legando às novas e futuras gerações, nossos netos e netas, que crescem num ambiente de desrespeito, de estupidez, de insegurança, de ódio enfim… um Brasil em que 16 crianças baleadas, 05 delas mortas em 2019, só no Rio de Janeiro, são tratadas como “acidentes”, segundo o ilustre ministro (sic) da Justiça e SEGURANÇA, Sérgio Moro, o ainda chefe dos lavajatistas. “Acidentes” que permanecem pendentes de solução, assim como o assassinato de Marielle e seu motorista.
Eu já escrevi aqui muitas vezes que sempre fui um tímido crônico, uma forma delicada de me chamar de covarde, na acepção que um macho dá à palavra covarde: alguém que não dá porrada, alguém que não chuta os bagos do “inimigo”, alguém que não estapeia a mulher que não aceita suas ‘cantadas’… Ou que não a mata por botar-lhe chifres!
Mas eu aprendi a lidar com minha timidez crônica e sobrevivi. E, vivo, continuo inconformado com a estupidez, o desrespeito e a discriminação da minha classe, média pra alta, pelo povo brasileiro… Nos mais de 50 anos em que vivi a política nacional, nós fomos governados por generais e coronéis nordestinos, por intelectual e operário metalúrgico… E o único que tentou mudar esta situação está preso e condenado a 09 anos de prisão… Alguém com um mínimo de cultura política, ainda tem dúvida que a prisão é política?
Muita gente tem. Infelizmente, a ignorância e o anafebetismo político são características fundamentais dos brasileiros desde a colonização. Daí porque dona Damares participar e levar o Brasil a aderir à Cúpula da Demografia não é manchete de jornais e nem notícia do Jornal Nacional… Dona Damares não é notícia importante, apesar de representar o Brasil em fóruns internacionais. É, apenas, uma piada de mal gosto… Como o Brasil, após seu presidente discursar em Parnaíba, Davos ou na ONU…!