Eu aprendi ao longo da minha já longa vida a respeitar pai, mãe, professores, pessoas mais velhas e chefes. Meu pai, apesar de não gostar de ser contrariado pelos filhos, costumava ensinar que a gente tem todo o direito de discordar de uma decisão do chefe, e era um dever expor isto claramente, com argumentos, mas nunca desobedecer tal decisão, simplesmente porque a gente não gostava dela.
Eu aprendi também, na própria pele, como é ser discriminado ou, simplesmente, gozado por ser diferente dos mortais normais que habitavam meu mundo, e eu não era tão diferente assim… apenas usava óculos! Naqueles tempos não existia bullying e só havia dois jeitos de tratar discriminação ou gozação: fingindo que não era comigo, por covardia, ou encarando e saindo pro pau, pra bater ou apanhar.
Nos meus tempos escolares, esta educação de casa era replicada no grupo escolar: as professoras (Dona Ivone, Dona Eurídice e Dona Inah: não me lembro de ter chamado qualquer uma delas de tia ou de você…) faziam questão de ensinar como meninos e meninas deviam se comportar nas várias situações da vida e aqueles que não se portavam bem, na sala de aula ou no recreio, eram advertidos pela própria professora, depois encaminhados à Diretoria e, por fim, levavam um bilhete para casa, pedindo o comparecimento dos pais à Escola.
Nos meus tempos de jovem, ninguém chamava pai e mãe de você… era senhor, senhora, e não fazer isto era sinal de maus modos, má educação, desrespeito. Mas eu não considero que as gerações posteriores à minha, por terem abolido tais modos, faltem ao respeito com pais e mães ou mestres ou chefes… A gente evoluiu um bocado no relacionamento humano e na liberdade de convivência, de maneira que não vão ser palavras com uma conotação de mando ou superioridade que vão tornar pessoas respeitosas e respeitadas ou não.
Do mesmo modo, nos mais de 30 anos em que fui servidor público, numa autarquia do governo mineiro e numa estatal federal, sempre tratando diretamente com o público, nunca admiti eu mesmo ou algum funcionário meu desdenhar ou destratar um cidadão, ou ignorar qualquer demanda sua, sempre enrolada ou travada na imensa burocracia do Estado brasileiro. Mas o poder é fascinante… e qualquer bosta, diplomado e concursado, se acha superior o suficiente para pode usar este pode ilegalmente e, considerando todos os cidadãos meros idiotas, comprometer superiores, mesmo que seja só midiaticamente…
É inaceitável para mim, pois, o teor das conversas de procuradores, policiais e juízes, pertencentes a uma classe de servidores do Estado muito bem pagos pelos seus cidadãos, ora divulgadas pela Vaza Jato, conversas estas em que pessoas que fazem parte da história brasileira ou que, simplesmente, por serem parentes de acusados pela Operação Lava Jato, são menosprezadas, insultadas, tratadas com total e absoluto desrespeito.
Nos meus tempos passados, como filho de classe média e convivendo com gente de classe alta, me constrangia até mesmo a disfarçada discriminação que tantas pessoas destas classes denotavam por gente menos afortunada, especialmente escura. Dentre os preconceitos básicos, um dos que mais me irritavam era justamente aquele englobado numa definição genérica: “é uma gentinha que não tem educação!”
E o que significava não ter educação? Era o menino que estava sempre com um ranho escorrendo do nariz ou o que vivia limpando a mão suja nas calças ou aquele outro que pegava um monte de balinhas antes que elas fossem oferecidas pela dona da casa, ou a menina que sentava de qualquer jeito, sem recato, na escada do edifício, ou a que preferia brincar de pique-esconde pela rua do que de casinha com as meninas, ou aquela outra que fazia birra quando não era atendida em suas vontades. Preconceito, enfim… Nada mais que preconceitos! Cansei de ouvir uma frase padrão: “Gente de bem tem educação porque tem berço!” (continua amanhã)