Confúcio tinha razão

Padre António Vieira, português de Lisboa, viveu no Brasil no século XVII, como jesuíta, tornando-se um filósofo, escritor e orador dos mais respeitados do Brasil Colônia. É dele uma frase bem representativa do Brasil de hoje, talvez de sempre: “A mais vil e pior gente do mundo são os hipócritas!”  Exemplos de hoje:

1. Com aquela conhecida expressão de quem está anunciando a verdade absoluta, o editor e locutor do Jornal Nacional, ontem (23/03), William Bonner, falou e disse: “O Jornal Nacional não vai divulgar os nomes de políticos listados. O motivo é simples: além de a polícia não saber ainda se cometeram alguma ilegalidade, a lista inclui mais de 200 pessoas de todos esses partidos. Não faria sentido escolher uns e omitir outros. E o tempo não nos permitiria divulgar todos.” Obviamente, não é a atitude que o Jornal Nacional toma quando nomes do PT são citados em delações ou documentos vazados, na maioria das vezes de forma ilegal. Aí, com a mesma expressão de dono da única verdade, William Bonner explica que o assunto é de interesse da Nação e por isso, mesmo não comprovado ainda, precisa ser divulgado…

2. De uns tempos para cá, são constantes as presenças de determinadas figuras da oposição frente às câmaras televisivas, bradando contra a corrupção que enlameia o país e leva a Petrobrás à falência. Pois é só dar uma espiadinha na tal lista de presumíveis “contribuições financeiras” da Odebrecht – não sabemos ainda se via Caixa 1 ou Caixa 2 –  para encontrarmos tais figuras: José Agripino Maia, presidente do DEM, Cássio Cunha Lima, líder do PSDB no Senado, José Serra, eterno candidato à presidência da República (o homem da bolinha de papel), Antônio Imbassay, líder do PSDB na Câmara, Mendonça Filho, líder do DEM, Rodrigo Maia, Eduardo Cunha, presidente da Câmara (e essência da hipocrisia no país, pois mesmo réu em processo no STJ, continua tocando o processo de impeachment da presidenta Dilma), Geraldo Alkmim, o eclético mandatário de São Paulo, cujo governo está envolvido em escândalos tão díspares quanto os da merenda escolar e das obras do metrô), José Sarney, o eterno, Aécio Neves, sempre presente, mas nunca indiciado, Renan Calheiros, presidente do Senado, Romero Jucá, o sempre líder de todo e qualquer governo… Bom, a lista tem mais de 300 políticos, inclusive do PT, mas, para angústia de promotores, policiais e juiz da Lava Jato, não traz o nome de Dilma e de Lula!

3. Esta angústia, aliás, é que deve ter levado o eminente juiz Sérgio Moro a decretar o sigilo da lista, que já estava circulando pela imprensa e redes sociais há dois dias, o que nos leva a mais uma demonstração de hipocrisia ilimitada: quando divulgou o grampo ilegal entre Lula e a presidenta Dilma, o juiz Moro declarou que o fazia por “interesse público”, vez que os governados têm o direito de saber o que fazem (inclusive na intimidade) os governantes. Esquecendo-se, convenientemente, que ela tem foro privilegiado e sua fala só poderia ser divulgada com autorização do STF. Já no decreto de sigilo sobre a lista da Odebrecht, que tinha sido apreendida há mais de mês, na Operação Acarajé, com nomes graúdos da oposição, deixou de existir “interesse público” e passou a valer a lei (como a lista aponta gente com foro privilegiado, Sua Excelência decretou o sigilo e pediu ao Ministério Público para se manifestar “quanto à eventual remessa ao Egrégio STF para continuidade da apuração em relação às autoridades com foro priviliegiado”).

4. Em dezenas de comentários nos veículos globais, o porta-voz oficioso dos donos da Organização, Merval Pereira, desceu o pau em Lula, por suas falas rasteiras, sexistas e grosseiras captadas nos grampos liberados pelo juiz Moro, mas não fez qualquer alusão à ilegalidade da liberação para divulgação de conversas particulares de Lula com seus filhos ou sua mulher, o que é expressamente proibido por lei, nem à divulgação de uma fala da presidente Dilma, quando o grampeamento já tinha sido encerrado por ordem do próprio juiz Moro. Já em relação à divulgação das listas da Odebrecht, Merval Pereira ficou escandalizado, dizendo que o vazamento seria obra de setores da Polícia Federal  interessados em “embananar o Congresso”, tudo indicando haver “um grande conluio para tentar melar a Lava Jato”.

5. Por fim, por ora, outro edificante exemplo da hipocrisia reinante: Gilmar Mendes, sempre ele,  que deu a liminar à petição de uma advogada, funcionária de seu IDP, impedindo o ex-presidente Lula de ser ministro, o que lhe daria foro privilegiado,  deixou de responder a processo em primeira instância, em 2000, graças a uma decisão de Fernando Henrique Cardoso. O então presidente editou medida provisória que deu status de ministro ao advogado-geral da União, cargo que era ocupado por Mendes. Graças à MP, ele passou a ter direito a foro especial.

 

Bem dizia Confúcio: “Foge por  instantes de homens irados, mas foge sempre de hipócritas”. O Brasil está necessitado disto, distância, muita distância dos hipócritas…

 

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