Como já escrevi aqui algumas vezes, eu moro num paraíso tropical a 13 km da civilização. Mais precisamente, este paraíso tropical é uma região rural cercada de parques e áreas de preservação ambiental que fica há 30 minutos da rodoviária central de Brasília. Eu sei, eu sou um privilegiado, mas fiz por merecer: trabalhei duro por 40 anos para ter o direito de morrer em paz, sem violências, sem barulheira, sem poluição (ou com pouca violência, com pouca barulheira, com pouca poluição…)
Quando encontrei este meu recanto, há 17 anos atrás, era uma terra semi-abandonada: tinha apenas uma benfeitoria (um banheiro de alvenaria, sabe-se lá porque), várias mangueiras, um pé de pequi, dezenas de limoeiros – descobri, depois, que os limoeiros tinham servido de cavalos para um vasto laranjal plantado pelo dono anterior, que cortara as laranjeiras quando comprou e se mudou para uma fazenda – e capim-gordura, muito capim-gordura (tantos anos depois, ainda não consegui arrancar tudo!)
Minha ex-mulher gostava muito de plantas e, aos poucos, meu recanto tomou seu jeito – além das mangueiras, limoeiros e do pequi, goiabeiras, pitangueiras, jabuticabeiras, laranjeiras, amoreiras, pés de graviola… e muitas árvores do cerrado e plantas e jardins… que funcionam como uma reserva ambiental, essencial para preservar o paraíso (será que o Paraíso existe e, se sim, é assim mesmo?).
Como se nota, eu sou consciente da importância de se preservar o ambiente, mas há certos limites: sempre achei a eco chatice muito chata mesmo! Todo radicalismo é estúpido e não leva a nada! Daí que duas coisas me incomodaram muito quando nos mudamos para meu recanto dois anos depois de encontrá-lo e construir a casa onde pretendo morrer: a pressão política e econômica de grileiros e invasores de terras, apoiados por incorporadores e construtores de Brasília, o verdadeiro poder da cidade, para transformar minha região rural em uma região urbana, disponível para construir condomínios habitacionais e prédios residenciais onde rolaria uma baba de dinheiro…
E o lado oposto, os eco chatos, que diziam e brigavam para que a região nem tivesse iluminação pública, pois iria perturbar as corujinhas e os animais habitantes das áreas ambientalmente protegidas, que costumam cruzar a rodovia que limita o parque, atrás de água e alimentos nas chácaras da região. Como eu disse, preservar o ambiente me seduz, mas viver nas cavernas não é nem um pouco agradável!
Esta briga mudou pouco nestes 15 anos em que moro aqui. Ainda há muitos usuários de chácaras que nada fazem pela região, esperando apenas uma regularização fundiária para, independentemente das restrições ambientais, parcelarem suas áreas – serão proprietários delas, enfim – e ganharem muito dinheiro, como, também, há muitos moradores que exigem manter a região como um santuário ecológico, sem qualquer comodidade da vida moderna, tipo iluminação pública, água tratada, ruas transitáveis nos períodos chuvosos…
Como participante ativo da associação comunitária da região desde que nos mudamos para cá em 2004, sempre tentei me manter neutro nas disputas – eu não quero a urbanização desenfreada da região, mas também não prescindo de certas comodidades como iluminação, que reduz a violência, conservação dos aquíferos, que elimina a precisão de água tratada quimicamente, controle do lixo, ruas de terra recuperadas anualmente, para evitar barro e poeira prejudiciais à saúde e, especialmente, Internet de alta velocidade, para no caso de Raul Seixas ter razão e o mundo parar, eu não me sentir inteiramente só no paraíso… (continua amanhã)