Chico e Jair tornaram-se figuras públicas, odiadas ou amadas por milhares de brasileiros comuns como eu, todos seguindo uma trajetória de vida que, em meio século, traçou o destino deste país.
Eu me tornei jornalista, assessor de imprensa, comunicador, blogueiro, pai de famílias classe média, com alguma significância entre familiares e amigos, como a imensa maioria da minha geração, o que é normal, já que só alguns se destacam para além do seu próprio quadrado.
Guardo algumas lembranças tristes, mas poucos traumas dos tempos sombrios e muitas alegrias pelas pequenas vitórias conquistadas, além da certeza que sou o que sou hoje porque vivi aqueles tempos e convivi e conheci gente com quem valia a pena estar e lutar.
Chico, músico, poeta, letrista, cantor, escritor, dramaturgo, quase uma unanimidade nacional, pela inteligência, cultura, capacidade musical, poética e literária, foi (e ainda é) um dos maiores ícones da minha geração. À parte a luta contra a ditadura, as composições, as peças, os shows que nos estimulavam a continuar acreditando e lutando, havia os confrontos entre estilos de vida dos jovens de então, que se digladiavam entre MPB e Jovem Guarda, e que superlotavam os Maracanãzinhos da vida para cantar, pular, gritar, tietar nos festivais de música (confesso que a gente tinha ciúmes dele: as meninas que a gente paquerava nos idos de 60, eram apaixonadas pelos olhos verdes do Chico!)
Além das músicas que, sutil ou escancaradamente, gritavam por liberdade (muitas foram censuradas só pelo fato de serem compostas por ele), sua peça teatral Roda Viva (que não era política) tornou-se um símbolo da luta contra a ditadura, a ponto de o Teatro Galpão, em São Paulo, onde a peça estava sendo encenada, ter sido invadido por uma centena de jovens do CCC, Comando de Caça aos Comunistas), que depredaram o cenário e espancaram os atores. Em 1969, Chico se alto exilou na Itália, onde se tornou voz importante na luta pela redemocratização do Brasil. E há poucos anos atrás, Chico passou a se dedicar mais à literatura, sem abandonar definitivamente a música.
Jair Bolsonaro, 64 anos, capitão e político, chamado de Mito por seguidores mais fanáticos, machista, homofóbico, adorador de armas, defensor de ditaduras e torturas, mas militar não muito querido no Exército. Segundo um seu comandante na década de 80, ele “tinha permanentemente a intenção de liderar os oficiais subalternos, no que foi sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos” (coronel Carlos Alfredo Pellegrino).
Após a derrota da ditadura, ainda tenente, em plena efervescência democrática (do que se aproveitou ele para transgredir um cânone militar), escreveu um artigo para as páginas amarelas de Veja, reclamando do valor do soldo dos oficiais. Foi preso. Aí, começou a liderar algumas manifestações do baixo oficialato do Exército (normalmente formadas pelas mulheres dos soldados) e ganhou fama.
Em episódios ainda nebulosos, ameaçou botar bomba no Gasômetro do Rio e em quartéis, o que originou um processo disciplinar em que os generais brasileiros (ah! os ‘corajosos’ generais brasileiros!), para não criar caso com a tropa, decidiram aceitar sua baixa da tropa e transferência para a reserva remunerada, com o posto de capitão.
Surfando na grande popularidade alcançada no baixo clero militar e policial (pelo desafio, pela prisão temporária e pela não condenação e prisão definitiva), Bolsonaro iniciou sua carreira política: vereador, deputado estadual, deputado federal… Foram quase 30 anos como ativo participante do baixo clero político, onde, conforme escreveu Miriam Leitão, porta voz econômica dos Marinho, “Durante os anos em que foi parlamentar, Jair Bolsonaro não presidiu comissão, não relatou qualquer projeto, nunca liderou grupo algum. Ele não se interessava pelas matérias que passavam por lá, concentrando-se em questões do seu nicho. Sua preocupação era apenas a defesa dos interesses da corporação dos militares e policiais. Afora isso, ofendia colegas que considerasse de esquerda e dava declarações espetaculosas para ocupar espaço no noticiário. Com esse currículo ele chegou à Presidência. Hoje, não entende nem os projetos que envia ao Congresso, como se vê diariamente nas declarações que faz”. (Cá entre nós, é impressionante como alguém tão endeusada pela Mídia como a Míriam, leva tanto tempo para dizer algo tão visível para quem tem mais de dois neurônios…!)
É claro que ela pontifica nas Organizações Globo, que já sabiam disto, mas preferiram ignorar, achando que a manutenção do petismo seria pior para os seus interesses. Sifu? Não acredito. Apesar da redução do poder absoluto que tinham sobre a opinião pública no passado, as redes sociais já comeram bastante deste poder no presente. Alguém com mais de dois neurônios ainda acredita na cara beligerante do Bonner dizendo que o Brasil estará fu….* se não aprovar a reforma da Previdência? Bolsonaro acredita (estou presumindo que ele tem mais de dois neurônios…) e, em agenda oficial, foi conversar com os Marinho. Perdoem-me… estou fugindo do tema.
Acho que eu, Chico e Jair podemos representar bem a minha geração (Chico com 74, Jair com 64 e eu com 71). Eu sou um aposentado que recomeçou a participar da política só depois que a liberdade passou a ser ameaçada (golpe de Temer e quadrilha e posse de Bolsonaro e milicianos), Jair é presidente do Brasil no bojo de uma campanha que transformou o petismo na raiz de todos os problemas passados, presentes e futuros do país, e Chico foi indicado, por unanimidade, vencedor do Prêmio Camões de Literatura, maior prêmio literário da Língua Portuguesa, uma indicação básica, talvez, para ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Se acontecer, será o primeiro brasileiro a receber um, já que Lula, indicado para o Nobel da Paz, continua na prisão, bebendo seu cálice de vinho tinto de ódio de rentistas, bolsonários, lavajateiros e milicos em geral, implicando em problemas políticos que os membros do Comitê Norueguês do Nobel não gostam de enfrentar… (termina amanhã)