Nos últimos tempos, depois de aposentado, divorciado pela segunda vez e impedido de dirigir carro, que sempre adorei, e, principalmente, depois que minha caçula criou meu blog (www.bleorgh.com) e eu aprendi mais ou menos a manejar os novos meios de interação (Whats’App, Facebook, Twuitter – eu não gosto do Instagram: velhos não se dão bem em selfies) – passei a ter uma rotina de vida muito dependente do computador.
Como eu acordo cedo, muitas e muitas vezes de madrugada – dormir só com travesseiro não é muito acolhedor – às 04, 05 horas, eu já estou lendo as últimas notícias, vendo o Twitter, o Facebook e escrevendo alguns textos para divulgar em ambos e em grupos que eu participo no Whats’App. Como eu sempre gostei de ler e escrever, estas atividades entusiasmam e alegram minh’alma, a vida toda meio propensa à tristeza e depressão.
Nos últimos meses, o que eu leio nos jornalões e nas redes insociais está me dando azia, me tornando angustiado e, até, depressivo de novo, algo que não fui durante uns 30 anos. Eu sou de uma geração que, sem armas, derrubou uma ditadura intolerante e cruel, o que sempre foi motivo natural de orgulho para mim (apenas alguns mais corajosos e idealistas, boa parte deles presa, torturada e morta, tentaram enfrentar militares treinados e armados, criando focos de insurreição armada, completamente dizimados) e para outros, que também contestaram, pacificamente, como é da natureza brasileira.
Parte da minha vida, exatamente aquela em que me formei e me profissionalizei, foi vivida sob tensão e medo. Sobrevivemos, com alguns traumas, claro, mas a liberdade tem o dom de sanar feridas e apagar cicatrizes. A liberdade tem o dom de nos fazer felizes, de acreditar nos seres humanos e de ter esperança que o futuro pode ser melhor que o presente e que este está sendo melhor que o passado.
Nos tempos que hoje marcham, o risco de se prender a liberdade é grande, muito grande… Por isso, a minha depressão. Durante os últimos 33 anos, apesar dos governos trágicos de Sarney, Collor e Temer, o Brasil, sua democracia e sua liberdade, avançaram em muitos sentidos. Eu tenho orgulho de participar de uma geração que venceu o medo e, mesmo com rangidos e grunhidos contra, conseguiu plantar e estruturar princípios democráticos e libertários que nunca mais deveriam ser esquecidos, contestados ou desprezados pelo país.
Na verdade, eu não me dei conta que a minha geração não foi formada apenas por jovens idealistas, democratas, rebeldes ou libertários… Havia o outro lado! Assim, no momento em que a liberdade tão duramente conquistada volta a ser ameaçada por aquele outro lado de então, que nunca desistiu e que soube conquistar jovens seguidores, eu sinto que é importante relembrar minha geração, através de três jovens daqueles tempos, dois que despertam paixões e um desconhecido: eu, Jair e Chico.
Eu, o desconhecido, 71 anos, jornalista e editor, filho de médico, classe média naquela época, que estudava num colégio público e talvez seguisse, mas não seguiu, a profissão do pai, preferindo esconder-se atrás de uma máquina de datilografia e ver a vida passar por páginas de livros para não ter que brigar com ela… mas que, sem grande valentia, se engajou na luta não violenta contra a ditadura.
Jair Messias Bolsonaro, 64 anos, militar e político, de família de imigrantes ítalo-alemães, que passou a infância em várias cidades do interior paulista, mas que definiu sua vida em Eldorado, no miserável Vale da Ribeira do rico Estado de São Paulo, quando, nos anos 70, auxiliou os militares na busca de possíveis esconderijos de Carlos Lamarca, que, diziam, treinava guerrilheiros contra a ditadura militar na região. Foi quando decidiu ser militar, entrando em Escola de Cadetes e seguindo a carreira.
Francisco Buarque de Holanda, 74 anos, filho de um historiador, professor, intelectual respeitado, típico filho de classe média, que cresceu entre poetas, escritores e músicos, e cursava Arquitetura na USP durante os primórdios da ditadura, engajando-se, também, na luta não violenta contra ela – compunha músicas e escrevia letras, criava musicais, fazia shows, levando sempre ou uma crítica mordaz aos tempos sombrios ou uma mensagem de esperança dos tempos melhores que estavam por vir. (continua amanhã)