De aviões e urubus

A situação atual do Brasil me lembra muito o período pré-golpe de 1964, quando havia uma frase espirituosa que era dita, a meia voz: “há mais coisas no ar que aviões de carreira”.  A alusão aos aviões tinha a ver com o governo de JK quando, por duas vezes, militares da Aeronáutica tentaram dar golpes, a primeira ainda em 1955, tomando a base de Jacareacanga, no Pará, e que durou 19 dias, e a segunda em 1959, ocupando a base de Aragarças, em Goiás, que durou 36 horas apenas, mas foi mais ameaçadora.
Nesta, os revoltosos, comandados pelo tenente coronel João Paulo Penido Burnier, pegaram três aviões Douglas C-47 da base aérea do Rio, um Beechcraft particular de Belo Horizonte e  seqüestraram um avião comercial da Panair, tomando a base aérea de Aragarças, em Goiás. A intenção deles era bombardear os palácios do Catete e das Laranjeiras, o que não aconteceu. O líder, tenente coronel Burnier, ficaria muito famoso depois, na ditadura militar iniciada em 1964. Já como brigadeiro-do-ar,  conforme denúncia do capitão Sérgio Miranda de Carvalho, Burnier pretendia usar o Para-Sar – os paraquedistas da FAB – em uma série de atentados, um dos quais seria a explosão do gasômetro do Rio de Janeiro, acusando, posteriormente,  os opositores do regime pelas dezenas de mortes que, inevitavelmente, ocorreriam. Ele é apontado, também, como responsável pelo “desaparecimento” do deputado Rubens Paiva e pelas mortes do educador Anísio Teixeira e do estudante Stuart Angel Jones, filho da estilista Zuzu Angel, também assassinada durante a ditadura.
Hoje, evidentemente, parece não haver movimentações de militares, que foram substituídos por juízes, procuradores, policiais federais, muitos deles crentes imbuídos do espírito de salvadores da pátria, e movimentos de jovens de classe média, financiados sabe-se lá por quem (ou sabe-se muito bem, conforme matéria de Catherine Osborn, da Public Radio International, divulgada hoje em www. jornalggn.com.br). E, claro, pela grande imprensa, que apóia golpes de estado desde que me conheço por gente.
Mas, se não há aviões no ar, há muitas ameaças na terra mesmo. Num pequeno apanhado pelos blogues hoje, li que:
1. uma professora de História, no Paraná, pediu demissão por causa das ameaças que vinha recebendo pela Internet de pais de alunos, porque ela manifestou sua discordância, também pela Internet, por alguns alunos terem ido às aulas “vestindo preto e pedindo golpe, desprezando a democracia e exalando ódio”;
2. o editor da Época, Diego Escotesguy, tuitou que o ministro Teori Zavaski (pela decisão tomada ontem sobre as investigações envolvendo o ex-presidente Lula) que tais investigações tinham sido suspensas (o que é mentira), tornando difícil conter a revolta popular contra o ministro,  revolta esta, aliás, que  já começara (ver abaixo) e vai piorar imensamente;
3. liderados por um grupo intitulado “La Banda Loka Liberal”,  manifestantes foram para a rua da casa do ministro Teori Zavaski, gritando slogans e pendurando faixas no portão em frente à sua residência, onde se lia frases como “Teori Zavascki pelego do PT” e “Teori traidor”;
Cópia de Teori traidor
4. nas páginas deste mesmo grupo em rede social, há manifestações do seguinte nível: “Coloca fogo na casa, se for casa”, “Joguem uma bomba na casa deste russo, bandido!”, “Teori Lixo”, “Guilhotina nesse vagabundo traidor da pátria!”, “Pau nesse petista, traidor da pátria!”… e muito mais!
5. outro grupo “jovem”, o Movimento Brasil Livre/MBL, através das redes sociais, também, incita a sociedade a pressionar o ministro, divulgando seus telefone e email no STF e  chamando-o de TeoriPetralha, bem como a hashtag #OcupaSTF;
6. o ex compositor/cantor Lobão tuitou uma ficha com os nomes da esposa e filhos do ministro Teori, dando o endereço residencial de um de seus filhos e convocando os gaúchos para irem para a frente desta residência.
Não são aviões no ar, mas que há muito urubu ‘doidim pra’ ver o circo pegar fogo, lá isso há…!

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