Qual é o sentido da vida?
Minha mãe, quase centenária, tinha um câncer pulmonar detectado há 03 anos. Considerada por parentes, amigos e visitantes como uma mulher fora do comum – apesar da idade, ela continuava lúcida, administrando minha casa e suas plantas, assistindo novelas, que achava ridículas (mas acompanhava diariamente) e lendo/ relendo livros, muitos livros: romances, filosofia, sociologia, religião, psicologia e, até, ficção científica, que ela não gostava muito – “A ficção se tornou real durante a minha vida… eu sou do tempo do telefone de manivela, intermediado por uma telefonista!” – me disse ela certa madrugada em que não conseguia dormir.
Detectado o câncer, ela fez um ciclo de quimioterapia, duas radio-cirurgias e parou… A tentativa de cura era pior que a doença! E, assim, continuou ativa, exercendo a função de dona de casa que sempre exerceu, não mais na própria casa, mas na casa de um filho, eu. Foram muitos meses de desavenças: “sua empregada é relapsa… não faz isto ou aquilo…!”, “Você tem que ter pulso forte com empregados, se não eles tomam conta de você… Seu quarto é uma bagunça, precisa colocar em ordem… sua camisa está amarrotada, vai sair com ela?!” E por aí afora…
Esse quebra-pau aconteceu até o dia em que ela, por teimosia – não gostava de ajuda para se locomover – caiu e fraturou o fêmur, recebendo uma sentença terrível para ela: seria obrigada a ficar numa cama durante, pelo menos, 03 meses. A opção de operar e colocar pinos era um grande risco, considerando a idade, o câncer e a baixa imunidade… A família, com a concordância dela, optou por não operar.
Dois meses imobilizada numa cama hospitalar derrubaram o emocional de minha mãe. Eu arrisquei e começamos a colocá-la numa cadeira para sair do quarto e tomar sol, ver as plantas que ela cuidara durante tanto tempo, sair da imobilidade de uma cama hospitalar, enfim… Foi tarde! Ela queria morrer!
E morreu… Dia 29/04, à 17:30 horas. Eu não me desesperei… Isto aconteceu numa segunda-feira de abril, mas poderia acontecer amanhã ou daqui a um mês ou um ano. A vida é assim. Como eu já escrevi aqui no blog, eu sou muito racional. Minha mãe viveu muito mais do que a imensa maioria das pessoas. E eu fico feliz por isto! Foi um privilégio conviver com ela a maior parte dos meus 71 anos dos quase 100 anos que ela viveu, mesmo com todas as divergências que tivemos…
Minha mãe não era uma mulher fora do comum, e tinha consciência disto… era uma dona de casa que dedicou a vida ao marido, aos filhos, à casa. Como milhares de mulheres deste país… que ainda trocam a liberdade de ser pela submissão à vontade do homem que consideram o amor de sua vida ou do provedor que a mantém . O que é espantoso para uma mulher que foi ‘rebelde’ desde criança… (continua amanhã)