Eu já disse aqui no blog que eu sou um tímido crônico. Uma das maldições de um tímido crônico é não gostar ou, melhor, ter medo de Carnaval: aquela alegria desenfreada, aquela ‘semvergonhice’ despudorada assustavam caras como eu, que tinha medo das meninas ‘normais’, recatadas, ruborizáveis ao ouvir um palavrão… imaginem o pavor daquelas que vestiam saiotes e saíam pulando pelo salão, ‘umas oferecidas’, como diziam minhas tias…
Mas a carne é fraca! Acho que já contei aqui também, do meu primeiro Carnaval, na pequena cidade do sul de Minas onde morávamos: minha mãe me mandou comprar grampos numa loja que ficava ao lado do clube onde acontecia a matinê infanto-juvenil do Carnaval. Fui e não voltei: fiquei no clube extasiado com a alegria, emocionado com a diversão!
A lembrança do primeiro Carnaval foi marcante: quando comecei a ganhar dinheiro trabalhando (sem depender de mesada do pai), convidava dois amigos de fé e ia ao Carnaval da minha infância para ‘pular’. E beber e tomar ‘bolinha’ e namorar… É preciso lembrar que isto se passa nos anos 60/70 (em 1965, quando eu comecei a trabalhar com carteira assinada, a ditadura ainda era ‘branda’).
Na juventude, em Belo Horizonte, não havia muito Carnaval a curtir. A Tradicional Família Mineira, TFM, um dos baluartes das Marchas com Deus Pela Família e Contra o Comunismo, que endossaram a ditadura, condenava o Carnaval de rua, a ‘libertinagem’, o desrespeito à tradição católica apostólica romana da família mineira (enquanto a juventude bem nascida furunfava à vontade nos bailes do Automóvel Clube, do Minas Tênis e demais clubes da alta e média sociedades mineiras).
É óbvio que o mundo evoluiu desde então: a pílula anticoncepcional libertou as mulheres, o Viagra libertou os homens. Infelizmente, a liberdade de ser não libertou os fascistas… O Brasil tem leis – algumas bem ruins e ultrapassadas e outras ousadas, muito além da sua capacidade de aplica-las – que poderiam, se aplicadas, tornar o país um exemplo para o mundo. Não são… Mofam em gavetas parlamentares ou judiciárias, já que o povo, analfabeto político, ainda tem que ser conduzido pela elite branca e bem nascida.
Uma elite, aliás, que criou nos últimos anos, um inimigo interno, o petismo, para voltar ao poder que exerceu durante 500 anos – com algumas lacunas, protagonizadas por Getúlio e Jango – sempre batendo na tecla de que aquela ‘babaquice lulista’ de que o Brasil, pela vontade, pela capacidade, pela riqueza de sua terra e pela solidariedade de seu povo, podia se tornar uma nação à altura das maiores economias do mundo. Muito melhor para ela, elite, é enriquecer num país de terceiro mundo e gastar o dinheiro em Miami, Marrakesh ou Paris…
Para isto, valia qualquer coisa, até jogar fora joaquins barbosas e lucianos hulks e incensar uma figura que, durante quase 30 anos, fez questão de representar, politicamente, o oposto da evolução humana: o homem que disse que preferia ver o filho ladrão a estar casado com uma negra, o homem que disse que uma mulher não era estuprável porque era feia, o homem que homenageou o único torturador legalmente reconhecido como tal pela Justiça brasileira… foi eleito presidente do Brasil, apoiado por esta elite, que o considerou manipulável e obediente aos seus interesses.
Enganaram-se! Bolsonaro e seus garotos fazem parte daquela parte podre de qualquer sociedade, que tem um único objetivo na vida: se dar bem para ter poder e se vingar de um passado medíocre e humilhante! Eles cadam e angam para o país ou para o povo… Na verdade, eles representam aquela porção de povo que tem raiva de seus iguais porque acham que são melhores que eles, e tem raiva dos ricos e bem postos na vida, mas tem medo de enfrentá-los porque anseiam ser iguais a eles, e até conseguirem ser iguais, deles dependem para sua própria escalada social. Muitos conseguem chegar lá, como Bolsonaro (de capitão reformado por indisciplina a presidente da República em pouco mais de 30 anos), mas não conseguem se livrar do caráter medíocre, invejoso e vingativo que sempre tiveram. (continua)