Mas há também uma decisão racional da qual me arrependo amargamente: a de não viajar pelo mundo nas oportunidades que tive para fazê-lo. Eu tinha uma ideia fixa na minha juventude: achava que um cara com preocupações sociais tinha a obrigação de conhecer seu país e seu povo primeiro, antes de se aventurar atrás das maravilhas do mundo (havia razões menos idealísticas por trás disto, também: minha timidez crônica – enfrentar países desconhecidos, pessoas estranhas, línguas confusas era um tormento pré-anunciado – e eu sempre tive imensa dificuldade para falar qualquer idioma, inclusive inglês – ler e escrever até que eu dava conta, mas falar…?)
A serviço, numa estatal nacional, eu tive a chance de realizar o sonho idealizado de conhecer o Brasil e, com isso, confirmar e consolidar minhas convicções políticas. Mas perdi as oportunidades de conhecer o mundo: ainda na Faculdade, eu tive a chance de me especializar em Jornalismo Comparado em Navarra, na Espanha, mas optei por casar… quando da demissão voluntária e aposentadoria, eu obtive dinheiro para viajar pelo mundo, mas optei por comprar uma chácara e construir uma casa. E, agora, não há mais como sair pelo mundo afora, mesmo encerrados meus deveres filiais: com a deficiência visual acentuada de hoje, qual seria o gosto de ver as ilhas gregas? Ou a Muralha da China? Ou o Museu do Louvre? Ou viajar de Moscou a Vladivostok de trem? Ou de Londres a Paris passando sob o Canal da Mancha?
E daí chego ao título e motivo deste texto: recebi, outro dia, um post que, citando outro texto meu neste blog (O Círculo da vida), lembrou que este círculo “se fecha mais rápido quando optamos em nos isolar, em não tirar proveito das oportunidades que a vida nos oferece, quando nos acomodamos no nosso mundo, quando achamos que tudo vai dar trabalho, quando tudo se torna difícil, mesmo não sendo.”
É claro que isto é verdade… O círculo da vida se demora mais a fechar para quem é jovem, para quem ainda tem grandes objetivos na vida, para quem não aceita que a rotina também faz parte da vida, para quem ainda tem capacidade de conduzir sua vida sem depender dos outros, mesmo que seja o simples ato de cortar as unhas dos pés. Ou para quem sempre enfrentou a vida sem secretos temores na alma, sem medo de dar um passo no escuro e cair num buraco sem fundo, sem medo de voltar atrás, pedir perdão pelo erro cometido e começar de novo.
Como eu escrevi lá em cima, uma das etiquetas que pregaram na minha testa, ao longo da vida, era esta: acomodado. Eu nunca fui! Eu aprendi muito cedo nos livros que li e, desde sempre, enfrentando minhas limitações, que a vida é muito curta para a gente se preocupar com a maioria das coisas que a gente faz ao viver (lembrem-se: eu não acredito em Deus nem em vida pós-morte!).
Por que, então, brigar para chegar primeiro no final da piscina ou para ir mais alto ao balançar ou tirar a melhor nota na prova ou marcar o maior número de gols no campeonato de futebol de salão? Para que, então, berrar mais forte numa discussão ou usar um terno de gabardina inglesa Hombre no casamento da sobrinha e chegar no casamento dirigindo um Honda Civic Sport CVT? Agir, decidir e, às vezes, teimar e impor suas posições, se você acha que elas é que estão corretas, só naquilo que é importante para sua vida e dos que você ama… mesmo correndo o risco de estar errado, se arrepender depois… e não saber pedir desculpas.
Nestes primeiros dias de janeiro de 2019 eu completo 71 anos… Mais 05 chego na expectativa média de vida de um brasileiro. Devo viver mais: não sou e nem fui pobre, meu pai morreu com 85 anos, minha mãe já está com 99… eu parei de fumar há mais de 20 anos e solidão não mata ninguém! O uísque meu de cada dia pode ser que me mate antes, mas não tenho do que reclamar: ajudei a criar duas famílias, fiz trabalhos dignos e honestos durante mais de 50 anos, me dedico bastante à missão de tornar menos angustiante o final de vida de minha mãe quase centenária e tento não incomodar minas filhas com esquisitices de velho.
Mais: para minha esperança, 2019, de acordo com o calendário chinês, é o ano do Porco da Terra, cuja personalidade traz bom humor e evita qualquer tipo de discussão, faz com que não se guarde ressentimentos e, por isso, o novo ano trará a habilidade e a capacidade de fazer com que projetos saiam do papel e se tornem realidade, aprimorando e renovando o relacionamento familiar.
Nesta altura da vida, meus únicos projetos pessoais são, exatamente, tentar recompor e apertar laços familiares, escrever o que vivi e o que penso no blog, e editar e publicar meu livro, assim que terminar de escrevê-lo (há outros engatilhados, mas tenho que lançar o primeiro, primeiro). Nos demais componentes da vida, acho que posso me dar o direito de, enfim, me acomodar… E acho que estou pronto a me recolher à solidão que vivia no primeiro ciclo da minha vida. É mais prático, reduz minha dependência e minha angústia por incomodar os outros. E não vivo emoções repentinas, despejando adrenalina e atiçando sentimentos que não tenho mais vontade de sentir ou sofrer.
E, se Deus houver, eu acho que já posso conversar com ele… Ou Ele! (fim)