Acomodado! Acho que eu mereço, enfim…! (I/III)

Eu já cansei de escrever aqui sobre a minha timidez crônica, um tormento em toda a minha infância e parte da mocidade, que consegui vencer, em parte, procurando me tornar alguém que parecia ter um pouco mais de conhecimento e que estava sempre disposto mais  a ouvir que a falar, tanto com os amigos quanto com as  pessoas com as quais convivia.

Esta estratégia, porém, se me salvou de um espírito depressivo, perigoso para o enfrentamento que a vida exige de cada um, me colou algumas etiquetas na testa: acomodado, pouco propenso a agir, indeciso, sem vontade própria. De verdade, isto nunca me incomodou. Há muito tempo eu compreendi minhas limitações e soube o que era e o que seria capaz de fazer quando houvesse necessidade de fazer alguma coisa que realmente tivesse importância. Se você pensar bem, a vida só é complicada se você quer ser mais do que você realmente é. Eu sempre conheci o meu lugar na vida e, ao longo dela, no ginásio, na faculdade, na vida pessoal e profissional, eu sempre tomei decisões de acordo com o que fui e o que sou, muitas delas erradas, mas tomadas à hora que deveriam ser tomadas. E assumidas.

Quando tive que escolher uma profissão, no 3º ano de ginásio, eu ainda não tinha uma ideia do que queria ser e não contestei meus pais, que me ‘forçavam’ a seguir a profissão dele. Tentei a faculdade de Medicina ainda sem terminar o 3° ano, não passei e, passando, fui fazer um cursinho preparatório… para Medicina (não havia vestibular único, então). No meio do ano,  quando um major-professor fez uma experiência sobre equilíbrio jogando um ratinho numa bacia d’água, desisti…  não era a minha praia mesmo!

Mas continuei fazendo o cursinho. Ainda não era hora de decepcionar meus pais… Só que dei total atenção às matérias menos científicas – português, história, geografia… (o cursinho, dirigido e com professores do Colégio Militar, fazia ‘batalhas’ semanais entre os alunos. Em duas, de Geografia e História, eu ganhava todas: sabia a história, a formação dos povos, as capitais, as principais cidades, os produtos e os problemas de todos os países do mundo…!). Ao final, me inscrevi para Jornalismo. E passei, entre 150  inscritos.

Cheguei em casa todo pintado – os trotes eram inocentes naquela época – e disse que tinha passado em 2º lugar, mas não em Medicina, para evidente alegria e repentina decepção de meu pai, uma decepção que demorou algum tempo para passar. Sei disso porque, ao contrário de seus amigos médicos, cujos filhos também seguiram Medicina, e que ganharam carros por entrarem na faculdade, eu ganhei um livro, A Ilha, de Aldous Huxley, sobre uma sociedade dos anos 60 e suas posturas em relação à educação, drogas, sexo, saúde, natureza, religião. Honestamente, foi melhor que o carro… Eu gostava de ler, não tinha embocadura para zonear e azarar garotas…!

Na faculdade, em plena ditadura militar, havia um choque entre as forças de esquerda, os que queriam uma oposição revolucionária, mesmo com derramamento de sangue, e os que queriam uma oposição democrática, sem violência, dentro da lei (que, na verdade, não era cumprida pelos militares). Numa composição entre estas forças, fui eleito vice-presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade, que estava fechado pela ditadura.

Por contingências da ditadura, logo virei presidente do DA e mantive a posição anti violência. Assim que recuperamos o patrimônio do Diretório Acadêmico, inclusive um piano em que Marília, então minha namorada, passou a tocar, bolamos uma festa regada a Ki Suco – ao contrário de outros Diretórios, o nosso foi proibido de ter bebida alcoólica – e, por encomenda minha, uma das organizadoras, minha amiga de Jornalismo, derrubou uma jarra de Ki Suco de morango no diretor da faculdade, um informante do DOPS. Com a saída dele, eu subi numa mesa e fiz um discurso ‘empolgante’ em homenagem a Edson Luís, estudante assassinado um ano antes numa invasão policial ao restaurante Calabouço, no Rio.

A vida seguiu. Comecei a trabalhar, casei, tivemos uma filha e, com a segunda a caminho, tive a oferta de trabalhar em Brasília. O salário era, praticamente, mais do que 05 vezes o que eu ganhava em Beagá. Conversei com Marília, e aceitamos. Como eu já escrevi aqui, Brasília é outro mundo. O jogo político, o poder como medida de todas as coisas, a hipocrisia, a cupidez humana são realidades com as quais a gente tem que conviver, mas não necessariamente aceitar.

Durante uns 15 anos, tive que driblar representantes de poderosos veículos de comunicação para manter a publicidade da ‘minha’ empresa estatal (que envolvia recurso público) dentro de limites adequados – uma empresa de armazenamento de grãos e frios tem que anunciar para produtores e comerciantes de grãos, carnes e peixes, não para telespectadoras de novelas! – e consegui.

Nestes tempos, o recolhimento me ajudou: me convidavam para almoços, jantares e exposição pública – a Manchete, poderosa revista onde pontificava o Alexandre Garcia, tinha uma sede famosa pelos almoços que oferecia aos chefes de comunicação e dirigentes de empresas estatais, a Abril costumava promover encontros políticos’ no restaurante Piantella, onde assessores de imprensa podiam conversar abertamente com os próceres políticos do pais, a Globo abria espaço, no meu caso, para participar do Globo Rural, com direito aos 15 minutos de fama, às vezes mensalmente. Eu me valia da introspecção e, raramente, participava. (continua)

 

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