Assim como a Medicina, a Educação passou a ser um negócio altamente lucrativo. Consequentemente, o Brasil elitizou-se ainda mais: as vagas nas universidades públicas tornaram-se praticamente accessíveis apenas àqueles que tinham dinheiro para pagar por um ensino médio de boa qualidade.
E houve, também, durante a ditadura, alterações radicais no ensino universitário. E uma delas foi crucial para ‘minimizar’ a natural rebeldia da juventude: eliminaram-se as turmas nos cursos oferecidos e adotaram-se créditos por matéria… Ou seja: os alunos de uma turma formada no 1° ano de faculdade não permaneciam juntos até se formarem! A camaradagem universitária se individualizou…!
A minha turma de Jornalismo, por exemplo, começou e terminou junta (exceto os que saíram durante o curso), iniciou a vida profissional junta e permanece ligada por amizade até hoje, quase 50 anos depois de formada… O objetivo da ditadura, evidentemente, foi alcançado: as gerações que se formaram após a minha, se tornaram individualistas, cada um querendo o seu primeiro, os outros que se ph……m*.. A noção de um por todos, todos por um permaneceu apenas nas escolas e academias militares.
Mesmo considerando algumas iniciativas promissoras dos últimos governos populares – Prouni, Fies, Ciência sem Fronteiras, expansão das escolas técnicas – a verdade é que a educação brasileira continua presa ao formalismo, ao elitismo e distante da realidade social do país. O que provoca resultados desastrosos, conforme bem demonstra a pesquisa Educação 2017, realizada pelo IBGE. Eis alguns deles:
– o Brasil ainda tem 11,5 milhões de analfabetos absolutos (que não sabem ler ou escrever), 7,5% das pessoas com mais de 15 anos, além de outros 57,7 milhões de analfabetos funcionais (27,5%), aqueles que cursaram algum tempo de escola, mas são incapazes de compreender e interpretar textos simples e fazer operações de matemática de baixa complexidade.
– o número de jovens ‘nem nem’ (nem estudam e nem trabalham) cresceu 6% entre 2016 e 2017, alcançando 11 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos; evidentemente, o alto desemprego atual é um fator significativo neste aumento.
– o principal motivo para a evasão escolar no Brasil de hoje é o trabalho: são mais de 25 milhões de jovens de 15 a 29 anos que não concluíram a graduação e não frequentam a escola, tampouco cursos pré-vestibulares ou técnicos, um grupo majoritariamente composto por pessoas de cor preta ou parda (64,2%).
– distorção idade-série no Ensino Médio: em 2017, 68,4% dos alunos tinham entre 15 e 17 anos, faixa etária que idealmente é prevista para quem cursa a última etapa da educação básica, indicando quase 2 milhões de estudantes atrasados.
E é neste contexto desastroso ainda que surge a proposta de grupos conservadores e evangélicos de reformar o ensino brasileiro adotando-se os princípios do Movimento Escola Sem Partido, um grupo que diz representar pais e professores e que se diz preocupado “com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras”, afirmando que “um exército organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo”.
Complementarmente, outros grupos que apoiam a Escola Sem Partido, mostram-se zelosos, também, com a moral e os bons costumes dos alunos em salas de aula, sendo seguidos pelo presidente eleito que, aliás, pretende instalar escolas militares em todas as capitais do país, para servirem de modelo para o tipo de ensino que ele deseja para o Brasil, acabando com a ideologização que a esquerda vem enfiando na cabeça de nossas crianças, uma posição tão estúpida quanto a de seu ministro das Relações Exteriores (já indicado) que acredita que as mudanças climáticas são uma “conspiração marxista”.
A ideia, me parece, é substituir as lições de Paulo Freire – educador, pedagogo e filósofo brasileiro, considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica, e que é, também, o Patrono da Educação Brasileira, por Olavo de Carvalho, filósofo, escritor, jornalista, ensaísta e conferencista radicado nos Estados Unidos, e um dos principais representantes do conservadorismo no Brasil, o que bem mostra a firme intenção do governo eleito, intensamente aplaudido pela elite, de devolver o país ao seu histórico lugar: a latrina do mundo!
Só para exemplificar: enquanto Paulo Freire diz coisas como “A educação é um ato de amor, por isso um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”, Olavo de Carvalho vocifera que “O feminismo é apenas uma maneira inventada pelas mulheres de repetir o que elas sempre fizeram ao longo da história: reunir-se para falar mal dos homens. Só que agora com ares de autoridade científica e pose de engajamento político”. Mas, é compreensível que os Bolsonaros prefiram o segundo. Para quem usa boné do Trump e faz continência para um assessor dele, deve ser uma honra ser fã de Olavo, que também já escreveu: “Ou a hegemonia americana ou a barbárie”.
Caso este modelo seja implantado no Brasil – o que é provável com o governo que está vindo por aí – fico imaginando minha doce e pequena professora Ana Mazur, do 2° ano ginasial, dando sua aula de francês (ela baseava suas aulas na história francesa), e pedindo para a gente traduzir um texto sobre a queda da Bastilha. Em tempos próximos, provavelmente seria denunciada por ensinar assuntos revolucionários, não condizentes com a operosa, pacífica e cristã sociedade brasileira. E sairia escorraçada do colégio ao som de ‘Ó Pátria Amada Idolatrada… Salve! Salve!’