Eu tive a paciência de ler a transcrição de todos os grampos feitos de conversas de Lula, parentes e amigos, entregues pelo juiz Moro e imediatamente divulgados pela Rede Globo. A divulgação é, sob todos os aspectos, ilegal, mas não é isso que eu quero discutir agora. Eu quero discutir os diálogos em si, que são apontados pelos locutores e comentaristas da Globo, secundados pelos demais veículos, como comprometedores. Ontem, a Globo deu destaque a três, pois ela segue o padrão novelesco – um capítulo por dia:
O primeiro é o seguinte:
Lula: É importante você ficar atento, porque vão sair muitas críticas à indicação do novo ministro, com o objetivo de encurralá-lo.
Edinho Silva: É isso, é isso. Já começou.
Lula: O objetivo é encurralá-lo. Crítica da “Veja”, crítica do “O Globo”, crítica da “Globo”, crítica… Ou seja, no fundo, no fundo, eles querem evitar que qualquer ministro acabe com o vazamento da Polícia Federal.
Edinho Silva: É isso.
Quer dizer: Lula está falando para o ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência para ele ficar atento às críticas ao ministro da Justiça, recém-indicado para substituir o anterior, José Eduardo Cardoso, porque à Imprensa não interessa acabar com os vazamentos da Lava Jato ou de qualquer outra operação. Pelo que eu sei, vazamentos de operações policiais sigilosas e de processos resguardados pelo sigilo são ilegais e cabe ao Ministro da Justiça proibir isto na Polícia Federal e acionar o MP e o STJ para tomar as providências cabíveis no caso.
Lula está fazendo algo ilegal ao recomendar atenção do ministro para as críticas da Imprensa?
O segundo é o seguinte:
Lula: Deixa eu te dizer uma coisa, eu estava pensando se não era o caso de eu não ir a Brasília hoje.
Jaques Wagner: Por conta da saída do rapaz?
Lula: Por conta da saída do rapaz, ou seja…
Jaques Wagner: Isso, ela se preocupou ontem, ficou dizendo “depois vão ficar dizendo que ele só veio aqui para comemorar o bota fora”.
Lula: Então eu acho que era melhor eu não ir.
Jaques Wagner: Deixar para a semana?
Lula: É, deixa para a semana.
Quer dizer, Lula está achando melhor não vir à Brasília no dia da saída do Ministro para não dar margem a se aproveitar politicamente do fato dele considerar o ministro José Eduardo Cardoso um incompetente, apesar de ser do PT.
Lula está fazendo algo ilegal em tomar este tipo de precaução?
O terceiro é o seguinte:
Lula: Deixa eu lhe falar uma coisa. Esses meninos da Polícia Federal e esses meninos do Ministério Público, eles se sentem enviados de Deus.
Eduardo Paes: É, mas eles são todos crentes. Os caras do Ministério Público são crentes, né?
Lula: É uma coisa absurda. Uma hora nós vamos conversar um pouco, porque eu acho que eu sou a chance que esse país tem de brigar com eles para tentar colocá-los no seu devido lugar. Ou seja, nós queremos instituições sérias, mas tem que ter limites, tem que ter regras.
Quer dizer, Lula, com sua evidente imodéstia (“nunca neste país…”, lembram-se?), diz que seria o único capaz de mostrar aos jovens procuradores e policiais federais que até mesmo a Procuradoria Geral e a Polícia Federal têm limitações e têm que seguir regras num país democrático.
Imodéstia, que eu saiba, não é ilegal e dizer que instituições sérias precisam ter limites e regras também não.
Bom… estes são os grampos que estão no ar no momento, com milhões de comentários e insinuações de possíveis crimes cometidos por Lula. Sou capaz de pegar um por um dos grampos transcritos até agora e analisá-los sem preconceito. Acho que daria para verificar se algumas observações que vem sendo feitas nas redes sociais, tipo “o problema para a democracia não são os grampos ilegais, mas o conteúdo que gerou tais grampos” é válida ou não. Afinal, a mídia diz que o grampeamento foi absolutamente legal e que as falas do Lula são um perigo para a democracia… E muita gente acredita só ouvindo as transcrições e os comentários dos jornalistas da Globo, sempre com encenações gráficas, vozes cavernosas e efeitos musicais que valorizam o invólucro em detrimento do conteúdo. Como é o padrão global, aliás…