Eu estou cansado… (III/III)

Mas era preciso persistir: a ditadura estava se esfarelando. E desmoronou em 1985.  Naquele ‘jeitinho’ característico do Brasil: eleição indireta de um político de oposição, reconhecidamente moderado, conciliador e conservador… que não assumiu, pois morreu antes. E quem virou presidente? O vice, um político que apoiou a ditadura desde o início, também conciliador e conservador. A luta tinha que continuar! E continuou!

Agora, o mais importante era consolidar a democracia. Aos trancos e barrancos, fomos vencendo os ‘bolsões radicais’, de um lado e de outro. Instalou-se uma Constituinte, promulgou-se uma Constituição, chamada Cidadã. O lado institucional avançava prometendo uma democracia sólida, à prova de ruídos e rugidos ditatoriais. A economia, não! Desandava! Muita gente já sussurrava pelos cantos: ‘Estão vendo só? Nos governos militares, o Brasil crescia! Havia emprego, não havia greve, não havia bagunça!’

A Rede Globo, que se transformara numa potência nacional apoiando a ditadura, fazia ameaças sutis via Jornal Nacional: bandidos descendo os morros do Rio, balas perdidas, fugas de prisões, invasões de terras, inflação incontrolável (alguém reconhece esta história?) até surgir um salvador da pátria, Fernando Collor, o caçador de marajás! E boa parte da população foi na onda. A corrupção era o mal a ser dizimado, em nome da família e de Deus…! (alguém reconhece esta história?)

Collor não durou dois anos. Aliás, as manifestações populares de 2013 pedindo o impeachment de Dilma foram um repeteco das manifestações dos caras pintadas pelo impeachment de Collor, em 1992. Todo mundo se impressionou que tanta gente, principalmente de classe média, se mobilizasse e saísse às ruas contra a corrupção, contra os políticos, contra a Dilma… Como se aquilo fosse espontâneo e não conduzido, visando as eleições do ano seguinte. Do mesmo modo que aqueles garotos de verde amarelo, de bochechas pintadas que saíram às ruas contra a corrupção, contra os políticos, contra Collor. Igualzinho… só que com sinais trocados! Collor renunciou,  Dilma teimou e foi ‘impichada’ .

Um governo conservador, mas democrático (a república do pão de queijo de Itamar Franco) segurou as pontas até as eleições de FHC. A democracia continuou avançando e se consolidando, a economia ganhou seu ponto de equilíbrio, o Plano Real, e o Brasil se estabilizou. Infelizmente, a corrupção não…

No primeiro ano do governo Collor, minha empresa foi fundida (eu disse fuNdida com outras duas, transformando-se numa espécie de holding do sistema de abastecimento alimentar do país). Eu deixei de ser chefe, mudei de área por algum tempo, mas acabei voltando como ‘chefete’ na área de comunicação. Durante algum tempo, de euforia democrática, nossa luta passou a ser contra a corrupção… Os dirigentes da empresa eram mudados de acordo com as conveniências políticas, e a maioria deles não entendia p….* nenhuma de abastecimento… Estavam ali para manter e aumentar o poder político em suas regiões!

E lá fui eu me aliar de novo aos petistas, noutra luta subterrânea. Como gerente da Área de Imprensa da empresa, eu era o editor responsável pelo jornal interno, que dava informações para o corpo funcional (até que foi um bom trabalho que fizemos todos da área: conseguimos, até certo ponto, diminuir as divergências de três quadros funcionais que foram unidos à força). Já como ‘membro da resistência’, criei, escrevi, editei e publiquei ‘O Panfleto’, distribuído pela associação de empregados, denunciando a corrupção deslavada de algumas administrações da nova empresa.

Uma delas percebeu que era eu que redigia ‘O Panfleto’, mas não podia provar… e, sem provas…(nós já vivíamos numa democracia). Aí, acabou com o jornal interno, criou um novo, controlado pelo chefe da Comunicação, e passou a responder às matérias que saíam no ‘panfleto apócrifo, uma excrescência do petismo, que não respeitava a democracia brasileira’. Dele, eu não participava… era responsabilidade do chefe da área.

Tudo isto aconteceu há 30 anos apenas! Todos estes jovens que pedem a volta de militares, que querem um governo autoritário, que consideram a democracia um sistema político fraco, corrupto, falido, e que não se sustenta mais, estavam nascendo junto com a democracia brasileira, uma planta frágil, que precisa do sol da liberdade para se fortalecer, que precisa da força de suas raízes adultas para se manter sólida e que precisa de seus ramos jovens para crescer e expandir-se para todo um povo. A luta pela vida também é assim. Não será no primeiro tombo, no primeiro erro, na primeira resistência que se há de desistir.

Mas, repito, eu estou cansado. Dia 28, às 17 horas, hora de Brasília, eu passo o meu bastão particular e deponho minha caneta… Daí, é esperar o desenrolar dos compromissos pessoais e me mudar para uma cidadezinha de Portugal ou uma vila rural do Uruguai ou uma praia pacífica do México ou da Bahia mesmo. Há um velho provérbio, dizem que chinês, que diz que uma pessoa não pode morrer antes de ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro.  Eu tive 04 filhas, plantei dezenas de árvores e estou escrevendo um livro há uns 10 anos, sempre deixado de lado quando recomeço a luta. Está na hora de termina-lo. Está na hora de ir para minha Pasárgada… Lá, não sou amigo do rei, nem terei as mulheres que gostaria, mas ficarei em paz,  terminarei meu livro e morrerei feliz, com a consciência do dever cumprido…!

(fim)

 

 

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