Muitos jovens que passaram a participar mais ativamente da política em tempos recentes, estimulados, principalmente, pela convivência constante através das redes sociais, consideram a política como algo sujo, desonesto ou, no mínimo, cínico.
A imensa maioria não aceita, nem compreende, o parlamentar de um partido de oposição que faz um discurso da tribuna, atacando seu adversário governista e dizendo que “Vossa Excelência é um ladrão… Vossa Excelência mama nas tetas deste governo corrupto” e, semanas ou meses depois, aceita ser ministro do mesmo governo que chamava de corrupto e colega do adversário “ladrão”…
Aceita e compreende menos ainda que um governo, que foi eleito com base no programa que “vendeu” em sua campanha eleitoral, convide, para ser seu ministro, e gerir os projetos que prometeu desenvolver em uma determinada área, alguém que não apóia estes projetos, tanto que, durante a campanha, aplaudiu os projetos opostos do candidato derrotado.
Esta incompreensão é compreensível. O Brasil passou 21 anos, entre 1964 e 1985, sob uma ditadura. Além da repressão pesada a qualquer divergência, os militares conseguiram implantar políticas – como a reforma educacional imposta pelo Coronel Passarinho, ministro da Educação – que despolitizou os jovens de, pelo menos, duas gerações.
Adultos, hoje, na faixa dos 30 anos, já casados e com filhos, não têm a menor idéia prática do que seja uma ditadura! Senhores, hoje, na faixa dos 50 anos, estavam em plena puberdade quando a ditadura foi substituída pela democracia possível, comandada por um político tradicional, o “coronel” maranhense José Sarney, originário da UDN, prócer da Arena, que se filiou ao MDB para ser candidato a vice de Tancredo Neves, na eleição indireta para presidente, concedida pelos militares.
Jovens ainda, tiveram uma primeira experiência política quando se tornaram caras pintadas no impeachment do presidente Collor, e viram sua rebeldia democrática redundar numa experiência temporária, a presidência de Itamar Franco, jocosamente combatida pela grande imprensa, e nos oito anos de neo-liberalismo de Fernando Henrique Cardoso.
Os mais jovens, aqueles que trocaram os desenhos animados das TVs pelas conversas, encontros e trocas de idéias pelas redes sociais viveram e convivem com um tipo de governo, apenas: o petismo. Que abomina a privatização, mas aprova concessões de bens públicos, como estradas, aeroportos, portos e poços de petróleo; que condena o financismo, mas pratica juros estratosféricos; que abjura o conservadorismo político, mas que aceita o apoio e as indicações dos donos de currais eleitorais para ocuparem postos , às vezes essenciais, do governo.
De qualquer modo, há algumas explicações para esta evidente hipocrisia.
Primeiro: o tipo de democracia que os políticos tradicionais – apoiadores e opositores da ditadura militar – conseguiram implementar no Brasil, após a abertura lenta, gradual e segura permitida pelos militares, redundou no chamado presidencialismo de coalizão. Daí, o enrosco já começa na hora de ser eleito: o candidato à presidência precisa obter a maioria absoluta dos votos (50% + 1) no primeiro ou no segundo turno e, para tanto, precisa fazer composições, mais programáticas no 1º turno, e absolutamente pragmáticas no 2º.
Com uma profusão de partidos – o 35°, PMB, Partido da Mulher Brasileira, acabou de ser aprovado – em que só uma meia dúzia têm uma linha programática/ideológica bem definida, a coalizão governamental é feita à base da troca de favores: o governo dá um ministério ou a diretoria de uma estatal ou a direção regional de um organismo federal e recebe o apoio, nem sempre incondicional, do partido aquinhoado com os cargos.
Mesmo com este troca-troca descarado – ou, talvez por ser exatamente um balcão de negócios, a coalizão é relativa: existem partidos em que a negociação tem que ser feita com cada “cacique” regional, porque o partido é partido mesmo, como é o caso do PMDB, o maior partido das últimas legislaturas, com maior número de políticos eleitos em todas as instâncias, municipal, estadual e federal, tanto que sua participação no governo, qualquer governo, é essencial para se manter a governabilidade, palavra chave de uma coalizão. No atual governo, até há pouco, o PMDB tinha os ministros indicados pelos senadores, os ministros indicados pelos deputados e os ministros indicados pelo Renan Calheiros e/ou pelo José Sarney e/ou pelo Eduardo Cunha, além dos da cota pessoal do vice, Michel Temer…
Isto explica, cristalinamente, porque um peemedebista (Geddel Vieira Lima) que foi ministro do primeiro governo Dilma, donde se demitiu para concorrer ao senado, mas perdeu, ganhando, como prêmio de consolação, uma diretoria da Caixa Econômica Federal e, mesmo assim, lutou com todas as suas armas, limpas e sujas, para o PMDB abandonar a coalizão e apoiar o impeachment da presidenta Dilma, sendo cotado, agora, para ser ministro do governo Temer, se houver.
Segundo: ao contrário dos países desenvolvidos, com democracias consolidadas há muito mais tempo, o Brasil ainda padece de um analfabetismo político crônico. Só nos últimos anos, mercê de políticas públicas nas áreas da educação e cultura, voltadas para as populações menos favorecidas, e da expansão da Internet, com a conseqüente proliferação das redes sociais, as pessoas começaram a tomar consciência da importância da política para sua vida e para o país e seu povo. Até a muito pouco tempo atrás, o eleitor – que é obrigado a votar – um mês depois da eleição, nem sabia em quem tinha votado. Mas, é uma mudança lenta, e ainda demora algum tempo para ter efeitos mais incisivos sobre os eleitores e, a partir deles, sobre os políticos.
Terceiro: a legislação eleitoral brasileira sempre permitiu o financiamento privado, individual e empresarial, de partidos e candidatos, ou seja, o poder econômico sempre influenciou fortemente a composição das casas legislativas, em todos os níveis, bem como os executivos, tornando os eleitos (com as honrosas exceções de praxe) mais representantes de um grupo (empresarial, profissional, religioso, laboral) do que da população em geral. Está na moda hoje, por exemplo, o BBB (bancada Boi, Bala e Bíblia), formada por deputados eleitos pelo agronegócio, pelas forças policiais e militares e pelos evangélicos, que já pressionam o quiçá presidente Temer no sentido de afrouxar os Estatutos do Desarmamento, da Família e do Nascituro, bem como aprovar a PEC 215, referente à demarcação de terras indígenas, e a utilização do exército em conflitos agrários.
É possível mudar este quadro, que parece, hoje, tão desolador? Sim, eu acho que é possível, mas vai depender muito destes jovens que estão se mobilizando politicamente hoje, que estão tomando consciência de sua força como agentes de mudança da sociedade. Se eles persistirem e não se abaterem aos reveses, que sempre acontecem, as mudanças para melhor virão… e mais ràpidamente!