Provavelmente achando que eu estava sorrindo pouco nestes últimos tempos, uma querida amiga me mandou um vídeo de Nat King Cole cantando Smile, música de Charles Chaplin, o imortal Carlitos, para um filme (em preto e branco) dirigido e protagonizado por ele chamado Tempos Modernos. Para aqueles que não são do meu tempo e ignoram a genialidade de Chaplin, ele era um inglês que migrou para os Estados Unidos para escrever, roteirizar, musicar, dirigir e protagonizar filmes, do cinema mudo e dos primórdios do cinema falado, que foi perseguido na época do macarthismo(*), e que deixou dezenas de filmes geniais que a a parte ‘intelectualoidizada’ da minha geração assistia boquiaberta.
Desde que meu pai estabeleceu uma mesada de 20 cruzeiros para mim (05 por semana), estudava muito de segunda a sexta, mas tinha uma programação livre de fim de semana, que cumpria religiosamente: no sábado ia numa lanchonete com alguns amigos, para olhar as meninas (só olhar, porque estavam sempre com mães e pais), bater papo comendo misto quente (pão de forma + presunto + queijo quente) ou americano (misto quente + ovo + tomate + alface), que eram os únicos sanduíches de então, com coca cola ou sundae (às vezes, misturando os dois); no domingo, quando não saía com os pais, ficava jogando bente altas na rua ou ia ao cinema (as gerações que vieram depois conseguiriam viver assim?).
Eu gostava muito de cinema. Eu me transportava para a tela, mesmo em desenhos animados, me transmutando num personagem, nem sempre o mocinho, com o qual me identificava. Naquela época, anos 50, a televisão era algo ainda estranho, em preto e branco, com muito chuvisco e com uma programação praticamente para adultos, e não atraía muita atenção de garotos, que preferiam correr, jogar bola, disputar figurinha no bafo.
Eu comecei a gostar de cinema ainda garoto, quando ia passar férias na terra de meus pais. Todo sábado, tinha matinê infantil, projetando Flash Gordon, Tarzã ou Zorro… eu adorava aquela empinada de cavalo e o grito Aiôôô, Silver! (naqueles tempos, eu andava de cavalo, mas nunca tive coragem de imitar o Zorro!) E minha imaginação dava voltas vendo toda aquela parafernália tecnológica do futuro, manipulada por Flash Gordon, sua eterna namorada Dale Arden e seu amigo cientista Dr. Zarkov… Numa época em que telefone tinha manivela e os adultos só falavam com outros adultos através de uma telefonista, ver o mocinho falando com a mocinha, em outro planeta, com um telefone sem fio, era fantástico!
Passada a fase infanto-juvenil, comecei a assistir bons filmes. Mas o mais marcante filme desta época chamava-se O Monstro da Lagoa Negra, que tinha efeitos 3D e que eu assisti no Cine Brasil, a um quarteirão lá de casa. Não me lembro absolutamente nada do filme que, evidentemente era de terror, mas ficou marcante porque foi a primeira vez que fui a um cinema sozinho (eu tinha medo de demonstrar medo perto de algum amigo) e porque eu falsifiquei minha carteira de estudante para entrar, já que o filme era proibido para menores de 14 anos.
Durante a segunda fase da juventude, quando participava da turma da rua Goitacazes, a turma tinha dois programas básicos para os fins de semana, além dos encontros com direito a violão e cerveja algumas noites (De ‘ortoridades e autoridades I): ir assistir partida do Cruzeiro no Mineirão ou, quando as meninas da turma estavam presentes, levá-las para assistir algum filme.
Numa destas tardes de sábado é que eu assisti Tempos Modernos. E foi uma situação meio constrangedora, que deixou dois amigos meus bastante chateados comigo. É que eles estavam tentando tirar umas casquinhas de duas irmãs moradoras recentes de um prédio do quarteirão, na rua Rio de Janeiro. Tinham convidado as meninas para assistir o “maravilhoso palhaço Carlitos” no Cine Tupis, que ficava ali pertinho. Elas tinham pedido para os pais, que só consentiram se a prima Maria Izabel, uns dois anos mais velha e mais ajuizada fosse também.
E quem é que parecia mais velho e era mais ajuizado da turma? Eu, claro! Que fui obrigado a fazer par com a quase moça e com algumas recomendações explícitas: conversar com e distraí-la o máximo possível e, principalmente, sentar na cadeira de modo que eu ficasse entre os dois casais e ela. Não deu certo… primeiro porque eu não consegui conversar com Maria Izabel e nem ela mostrou o menor interesse em conversar com um moleque mais novo que ela; segundo porque na hora que os casaizinhos entraram numa fileira na plateia e eu ia entrando antes dela, ela entrou na fileira de trás! Ou seja, os amigos chuparam os dedos e eu assisti um belo filme com uma música maravilhosa, mas quase perdi os amigos depois…! (o YouTube permite que você assista o filme integralmente: uma hora e meia em preto e branco. Quem quiser assistir, acho que vale a pena…)
Com o passar do tempo, a vida agitada, família, filhas, viagens constantes a serviço, a ascensão da televisão… fui perdendo o gosto pela tela grande, o que se acentuou nos últimos anos por causa da deficiência visual: assistir um filme e ler a legenda ao mesmo tempo tornou-se um tormento (eu assistia as cenas do filme e lia meia legenda, ou lia a legenda inteira e não via metade das cenas do filme) e uma dor de cabeça inevitável após a sessão.
Acho que a última vez que fui ao cinema foi para assistir um filme que, nos tempos que eu ia ao cinema, a gente chamava de água com açúcar, apesar do final triste: ‘Como eu era antes de você”, com a Emilia Clarke, que vive a Daenerys, a mãe dos dragões da série Guerra dos Tronos. Não assisti todas as cenas, mas valeu a pena, a música também é linda!
(*) macarthismo (McCarthyism) é um termo que se refere à prática de acusar alguém de subversão ou de traição, originalmente cunhado para descrever a patrulha anticomunista promovida pelo Senador republicano Joseph McCarthy, no pós-guerra, quando milhares de americanos foram acusados de ser comunistas ou simpatizantes e tornaram-se objeto de agressivas investigações e de inquéritos abertos pelo governo ou por indústrias privadas.