Alexandre Dumas, pai, é um dos grandes nomes da literatura francesa, autor de centenas de livros traduzidos em praticamente todas as línguas e transformadas em filmes que levaram milhões de pessoas aos cinemas e continuam levando, hoje, às telas de TV, smarts e celulares. Os Três Mosqueteiros, por exemplo, já foi filmado tantas vezes que o romance original se perde em meio a tantas e tantas versões (há uma, inclusive, que eu assisti infelizmente, que coloca até barcos voadores nas aventuras de heróis de capa e espada…).
Eu li o romance original, um dos segundos livros que meu pai me deu há mais de 50 anos (os primeiros foram os livros infanto/juvenis de Monteiro Lobato). No fundo, a história é uma grande aventura de quatro amigos – três, desiludidos da vida, e um, jovem e pleno de esperanças, que defendem, juntos, uma ideia, a França e seu rei, ameaçados por um reino estrangeiro, inglês, com o auxílio da então poderosa igreja católica, representada pelo bandidão, o Cardeal Richelieu.
O romance é uma ode à lealdade, à responsabilidade individual e à fraternidade entre pessoas completamente diferentes entre si – Athos era um nobre desiludido pela traição de grande amor de sua vida, Aramis era um crente revoltado contra o desvirtuamento da igreja, mas essencialmente espiritual, e Porthos era um descrente da vida em si, um fanfarrão que só se sentia vivo em farras com muito sexo… Mas que são levados a uma aventura heroica (ou várias aventuras heroicas) por causa do jovem D’Artagnan, filho de um velho mosqueteiro aposentado, que saiu do interior com destino a Paris, imbuído dos valores considerados mais nobres à época (reinado dos Luizes).
Pensei nos três mosqueteiros que eram quatro, logo depois que velhos amigos – um cunhado e dois concunhados, todos ex – apareceram em minha casa depois de um longo tempo. A gente se conheceu há mais de 30 anos e convivemos quase que semanalmente durante todo este tempo, ficando distantes apenas nos últimos dois anos – com a separação de minha segunda mulher, irmã de um e cunhada dos outros dois – e, para lamber as feridas, me afastei do convívio familiar permanente.
Nós quatro não temos qualquer semelhança com os quatro heróis de Dumas, mas tenho certeza que muitas vezes, ao longo destes anos, eu tive vontade de gritar “um por todos, todos por um”, tal o grau de afetiividade que eu sentia haver entre nós, mesmo considerando a enorme diferença de personalidades, de posições políticas ou religiosas e de posturas perante a vida.
Eu fui o último a me juntar aos três, dois deles já casados com irmãs do terceiro. E eu, mesmo com uns 10 anos a mais que os três, entrei na família casando com uma irmã mais nova. Ou seja, além de uma vida anterior já consolidada, com duas filhas do primeiro casamento, e profissionalmente estruturado, eu possuía algumas características que poderiam me transformar numa espécie de conselheiro ou irmão mais velho do grupo.
Não fui. O máximo que consegui foi convencê-los a algumas aventuras geográficas, nem todas com todos, trilhando rodovias a caminho do Nordeste, do Leste, do Meio-Norte e do Sul. Apenas me tornei mais um, apesar de durante uns 13/14 anos ter sido anfitrião quase semanal deles, da família e de agregados na Chalueo original, chácara que comprei e onde os filhos e filhas de todos nós tiveram oportunidade de crescerem juntos e se tornarem tão fraternalmente ligados quanto os pais.
Em verdade, apesar de ‘irmãos’, nunca fomos realmente íntimos. Ou, pelo menos, eu nunca tive uma liberdade com eles como aquela que a gente costuma ter com alguns amigos de rua ou do colégio, na infância e juventude. Os problemas íntimos de cada um, na vida conjugal, nas relações filiais, caso houvessem, não faziam parte das conversas quando estávamos juntos. Ás vezes, angústias existenciais ou preocupações financeiras entravam no papo quando me encontrava com um ou outro num boteco. Acho que é até possível que entre eles ou entre um e outro, rolasse maior intimidade, vez que, por temperamento, como já escrevi aqui tantas vezes, eu sou um tímido crônico e, por isto, muito mais reservado do que gostaria de ser.
E, claro, a diferença de personalidade entre os quatro determinou este afastamento mais íntimo, independentemente da proximidade afetiva, que nos levou a gostar durante tantos e tantos anos de estar sempre juntos e de programar férias, viagens, reuniões, comemorações em conjunto. Quase meia vida inteira da qual participei com muito orgulho e intensa satisfação, mesmo nas horas em que explodiam algumas discussões mais excitadas, que poderiam até descambar para um “fratricídio” que, evidentemente nunca aconteceu.
E tais discussões eram inevitáveis, não só porque geralmente estávamos enchendo a cara numa mesa de jogo, como porque somos seres humanos e, como tal, todos tínhamos, ao lado de um monte de qualidades, alguns defeitos bem objetivos. Mas, é claro que este texto, para ser também bem objetivo, é uma ‘ode à lealdade, à responsabilidade individual e à fraternidade entre pessoas completamente diferentes entre si’, e não vou ficar relembrando desavenças, atitudes indevidas ou ruindades de cada um… Mesmo porque, fuçando 30 anos de vida, pode ser que, no frigir dos ovos, eu descubra que discuti mais, tive mais atitudes incorretas e cometi mais maldades que os três juntos…! (continua)