A ilusão fabricada das manchetes (I)

É uma pena a falta de cultura do povão brasileiro… Eu sei que a culpa maior não é dele. Afinal, o Brasil viveu anos e anos a fio dominado por uma elite econômica que sempre manobrou os cordéis políticos, e politizar o povo através da educação era algo impensável para esta tchurma. Mão de obra barata e passiva era mais importante… Com isto, o brasileiro não lê livros… Desde 2010, os livros mais vendidos no Brasil são os 03 volumes da biografia do Edir Macedo, o evangélico papa da Igreja Universal do Reino de Deus. Alguém duvida que, do mesmo modo que seus pastores transformam dízimos em obrigação divina,  a compra (não necessariamente a leitura) dos livros também passou a ser uma ordem de Deus?

O brasileiro também não lê revistas e jornais…  Na  época áurea da imprensa escrita, Folha de São Paulo ou Veja nunca alcançaram 1,5 milhão de exemplares…  E num país de 150/180 milhões de habitantes, à época! Quando muito, entre um ponto de ônibus e outro, ou nas estações de metrô, o trabalhador brasileiro para em pé numa banca – que, aliás, estão desaparecendo a olhos vistos – e leem as manchetes do dia. E as manchetes dos jornalões são, há muito tempo, mentirosas ou tendenciosas, principalmente através de frases de sentido dúbio ou de imagens impactantes que induzem as pessoas a acreditar numa falsa verdade que só interessa aos donos dos jornais e aos grupos econômicos e políticos a que eles pertencem e defendem.

Esta edição do jornal O Globo noticiando (?) os 51 milhões de reais encontrados num apartamento alugado pelo então ministro Geddel, da quadrilha do Temer (ou por seu irmão deputado, que dá no mesmo), é emblemática: quem para numa banca e lê a manchete e vê a foto associa uma com a outra, ou seja: a dinheirama é de Lula, Dilma e do PT, uma organização criminosa…!

Quando fiz o Curso de Jornalismo, final dos anos 60, início dos 70, o Brasil vivia – ou sobrevivia – numa ditadura, apoiada pela grande imprensa. Naquela época, não havia contraditório – jornais de oposição que tentavam contestar as ordens militares, tinham censores na redação ou eram fechados por falta de suporte financeiro (que empresário tinha culhão para anunciar em “comunistas” ou “ateus”?) ou eram simplesmente empastelados.

Aliás, antes mesmo da rebordosa ser instalada, a imprensa contestadora já era alvo de conservadores radicais e fascistas e, até mesmo, de militares que se dizizm nacionalistas e cristãos e, por isso, detestavam notícias favoráveis ao sindicalismo e à luta de trabalhadores, que consideravam bandeiras comunizantes. Me lembro, ainda no governo Goulart, com Minas governada pelo banqueiro Magalhães Pinto, do empastelamento do jornal O Binômio, invadido por militares encapuzados.

Como disse seu fundador e editor à época, José Maria Rabelo, O Binômio virou alvo por fazer reportagem contra um general do Exército. “Foi nomeado um novo comandante das Forças Federais de Minas, o general João Punaro Bley. Ele deu, na ocasião, uma série de declarações anticomunistas, dizendo que o governo de Goulart era suspeito. Sabíamos que ele havia sido interventor do Estado Novo no Estado do Espírito Santo, que havia fechado jornais e comandado um campo de concentração para presos políticos. Fomos lá e fizemos um material impressionante”.

                Ainda segundo José Maria, a matéria não agradou o general, que foi à redação pedir satisfações: “Ele questionou quem havia escrito aquela ‘merda’ sobre ele. Eu respondi: é uma reportagem muito fundamentada e eu sou responsável por tudo que sai publicado no jornal. Dito isso, ele me agarrou pelo pescoço. Eu sabia que ele já tinha feito isso com jornalistas no Espírito Santo. Mas eu era lutador de judô. Nós rolamos pelo chão.” Mais tarde, gente encapuzada entrou na redação do jornal e destruiu tudo, linotipo, tipos, mesas, cadeiras, máquinas de datilografia, privadas… tudo! O jornal acabou…

Do “lado bom”, já havia a TV Globo! E seu dono, Roberto Marinho, mulato inzoneiro que detestava sua tez miscigenada (Pedro Bial narra em sua biografia autorizada que Roberto Marinho usou pó de arroz até o fim da vida em razão de um “desconforto” com a cor da pele), aproveitou a chance e transformou o legado de seu pai, um jornal carioca, numa potência. Vendeu a alma, claro, mas 21 anos de ditadura transformaram seu jornal num império, o verdadeiro poder, aquele que fica por trás, aquele que movimenta os cordéis dos fantoches, aquele que determina quando transformar pães em brioches…

No fundo, bastou puxar o saco e escovar a vaidade de majores, coronéis e generais  – uma gente, à época, de um maniqueísmo atroz, que dividia o mundo em cristãos e ateus, democratas e comunistas, bons e maus – “informando” à população aquilo que interessava aos poderosos de quepe e escondendo as verdades incômodas.

(continua)

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