Meu amigo doutor me ligou outro dia meio desconfiado. Insistiu para que eu fizesse companhia a ele numa nova “investida” ao suingue clube da região, pois Dezinha, a gerente (Um lugar sem crise, I a V) estava cobrando uma nova conversa comigo. “Eu não sei o jogo que você jogou, meu velho, mas o fato é que Zú vive me enchendo o saco para levar você lá de novo, que ela vai acabar com seu ano sabático, e, agora, a Dezinha também quer conversar com você de novo… E eu tenho certeza que sou mais bonito, mais gostoso e mais rico que você! Qual é o jogo?” Provavelmente, pensei eu, porque não sou um freguês, e sou um bom ouvinte…! E combinei de acompanhá-lo na próxima visita.
A história não se repetiu: Zú estava ocupada com um senador da República, que chegara inesperadamente, e meu amigo não quis outra cama e preferiu me acompanhar ao terraço de Dezinha, para saborear um bom uísque escocês e a conversa “desinteressante” (segundo ele, conversa entre homem e mulher num lugar como aquele – ou em qualquer outro lugar – que não envolvesse sexo, era totalmente desinteressante!). Mas, ficou por lá porque queria descobrir qual era o meu “charme”. Não me falou nada depois, mas deve ter ficado decepcionado…
Pois o fato concreto é que Dezinha queria mesmo conversar comigo… e sobre política! Ela estava muito preocupada! “Eu estou nesta vida por tempo suficiente para saber que um p…..o* de classe, ainda mais em Brasília, tem dois momentos perigosos: quando enche ou quando esvazia exageradamente de políticos… Ambos significam que a coisa ‘tá’ feia… muito feia! Quando enche, com políticos de situação e oposição se trombando a caminho dos apês, mas ficando tempo suficiente só para descarregar a tensão, gastando muito pouco, é porque o processo político está sob algum risco. E quando esvazia, como se os políticos tivessem medo de ser apanhados fazendo bobagem, é porque há alguma onda de moralismo babaca sendo emitida pela sociedade… Nas duas situações, a queda de receita é grande e a qualidade dos serviços piora, o número e o nível das meninas cai, o padrão de atendimento fica ruim, o ambiente fica tenso, sujeito a atritos constantes…”
“Ou seja – disse eu – a crise chegou aqui também…”
“Pois é… Você escreveu que aqui era um lugar sem crise, mas estava enganado. Esperei você aparecer de novo, depois que li seu blog, para eu lhe contar sobre algumas crises que a gente já passou ao longo de tantos anos de p…..a*, mas você sumiu, não gostou do meu uísque ou da companhia… Foi preciso insistir com o doutor – deu uma piscadela para ele, que ameaçou dizer alguma coisa, mas nada disse.
“O uísque é ótimo e a companhia é melhor ainda, Dezinha… Eu é que ando ante social mesmo, ‘na muda’, como disse a Zú outro dia…” Como se fosse necessário dar uma explicação, meu amigo destravou a voz: “A Zú se encontrou com ele lá no Empório, Dezinha…” “Eu sei – replicou Dezinha, olhando-o ironicamente – Não precisa se encrespar! Eu li o blog… E sei exatamente com quem a Zú fica quando você não está por aqui, viu?” E voltando-se para mim, novamente:
“Agora mesmo, ela está com um senador que costuma vir aqui e ficar uns três dias direto, enchendo a cara e experimentando qualquer menina disponível. Hoje, ele chegou extremamente nervoso, chamou a Zú e deve sair correndo já já! De ontem para hoje, já foram uns cinco parlamentares habituais que fizeram a mesma coisa. Entram, transam e saem, sem beber, sem comer, sem gastar no salão ou na piscina. Que a crise está braba eu já senti há algum tempo, mas você acha que vai demorar muito? Afinal, eu estou para aposentar e queria sair por cima…!”
“Uma boa posição” – riu o doutor, que se cansou do papo e pediu licença para espairecer um pouco lá fora. Evidentemente foi confirmar se o senador já tinha se mandado ou estava quase… Dezinha pediu um momento também, pois precisava dar uma checada no movimento. Fiquei olhando a piscina que, ao contrário da visita anterior, estava bem vazia: dois casais conversando numa mesa, um grupo de meninas e jovens, do clube, certamente, em volta de outra mesa com três velhotes… e mais ninguém, além de um garçom no balcão do bar, aguardando algum chamado. Mais longe, vislumbrei quatro vultos, acho que dois casais, conversando em frente de um dos bangalôs. Dezinha retornou rápido: “Está vendo? Quase vazio… E tem uma eleição vindo por aí! Vamos conseguir chegar até lá?”
“Honestamente, não sei! Conhecendo um pouco de história, sei que o Brasil vive em crise mas, nos meus 50 anos de vida conscientemente política, eu passei – e participei ativamente – de uma única grande crise, que resultou numa ditadura, de dolorosa lembrança. Eu tinha 14 para 15 anos quando começaram as jogadas da elite econômica e política, com integral apoio da mídia, para desestabilizar um governo com tendências populares. É um joguinho padrão, que se repetiu na eleição indireta do Tancredo, na posse do Sarney, na eleição e na queda do Collor, durante o governo do Itamar, na segunda eleição do Fernando Henrique e nas sucessivas tentativas de não permitir as eleições do Lula e da Dilma… e que deram certo no impeachment dela.” (continua)