Nos meus tempos de jovem, há muito tempo atrás, eu não tinha muita ligação com a música. Por uma razão muito simples: música pressupunha dança e dança pressupunha uma aproximação com o sexo oposto, coisa que minha timidez crônica tornava extremamente complicada. Na minha fase infanto-juvenil, conversar normalmente com uma menina era um tormento enorme. Quando acontecia de me encontrar com uma, ela falava e eu ficava estático, balançando a cabeça e resmungando ham ham ou hum hum.
Na fase ginasial, as turmas eram separadas, meninas numa sala e meninos noutra, e eu me enturmei com um grupo de colegas que tinha posturas políticas – dificilmente, encontrávamos meninas interessadas em política, então! A gente vivia matando aula para ir conversar sobre a situação do Brasil com os freis do Convento dos Dominicanos, que ficava ao lado do Colégio Estadual da Serra. Um dos amigos deste grupo, porém, se interessava muito mais por música que por política. Wandeir morava na Serra, também, e, aos sábados, costumava carregar a gente para sua casa, para ouvir e conversar sobre música. Dizia ele – e tinha razão – que a música popular brasileira tinha uma influência extraordinária sobre parte da juventude, o que era tão importante quanto as reuniões e os movimentos políticos.
Foi num quartinho nos fundos de sua casa, onde ele tinha um toca-discos e uma coleção impressionante de ‘bolachões’, aqueles discos de vinil, que nós, revolucionários, conhecemos Elis, Jair Rodrigues, Milton Nascimento, Chico Buarque, Os Cariocas, Vandré e… The Beatles, logo nós que achávamos então, que música estrangeira significava a dominação cultural do Brasil!
Foi escutando Eleanor Rigby aliás, que eu evoluí um pouco mais musicalmente, ao descobrir a chamada música clássica. Beethoven, Chopin, Lizt, Strauss, Mozart, Dvorack, Schubert, Bach… e Villa Lobos e suas insuperáveis Bachianas. Do mesmo modo que foi escutando forró e música sertaneja que eu passei os últimos 30 anos praticamente sem escutar a chamada música clássica…
Explico: durante os pouco mais de 40 anos de vida produtiva (produtiva no sentido de trabalhador remunerado, seja como empregado administrativo antes de formado, seja como profissional de Comunicação, nunca tive muito tempo para me dedicar a curtir música. Até alguns muitos anos atrás, nos tempos de minha adolescência (ou mesmo já adulto), para ouvir música de sua preferência, a gente tinha que ter uma radiola ou vitrola em casa, ter bolachões e separar um pouco do seu tempo diário para sentar numa poltrona ou deitar na cama e apreciar a música que se queria ouvir.
No final da década de 60, quando eu já estava na faculdade, surgiram as rádios FM (a primeira rádio FM estéreo no Brasil e na América do Sul, a Rádio Del Rey FM de Belo Horizonte, surgiu em 1969). Mas, para tornarem-se ouvidas, elas captavam o gosto do público ouvinte e irradiavam as músicas que este público queria ouvir… e música clássica, é claro, não fazia parte da programação.
Quando comecei a fazer estágio na faculdade, meu amigo Wandeir era locutor da Rádio Mineira, uma emissora que só tocava músicas mais voltadas para as classes média e alta. Mesmo estagiando numa concorrente, junto com ele e Marília, minha primeira mulher (ainda namorada), montamos um programa semanal noticioso na rádio da Cúria Metropolitana de Minas, no qual comentávamos as principais notícias da semana e os costumes gerais da nossa sociedade. Não durou muito… a maior audiência da rádio era um programa dedicado às empregadas domésticas e ao povão em geral. O locutor – que também era o locutor responsável pelos noticiosos da noite – não gostou das críticas aos programas populares – e reclamou à direção da rádio. Entre a crítica ao sistema e a audiência comercial, nós sobramos, claro! Algo que não mudou nem um pouco até hoje…
Tudo bem, faz parte do jogo, mas eu fui castigado: como eu fazia estágio de 08 até meia noite – eu escrevia o primeiro jornal da manhã da rádio e tinha que ficar atento ao telex para saber e botar no ar as últimas notícias do Brasil e do mundo – era obrigado, praticamente, a ficar ouvindo o programa do afamado locutor com aquelas músicas chamadas bregas, tipo “Não se vá”, “Pare de tomar a pílula” e o supra sumo da breguice, “Eu não sou cachorro não”… E, como eu chegava de madrugada em casa, com meus pais já dormindo, não tinham nem como resensibilizar os ouvidos com minhas músicas preferidas… (continua)