Fundo do poço (II)

Aberta a porteira, ninguém segura a boiada… Divulgado o duplo auxílio moradia do juiz Marcelo Bretas e sua consorte (e bota sorte nisto: mais de 08 mil reais do meu, do seu, do nosso por mês, para moradia de um casal que já tem casa própria!?) mais coisas apareceram: que o ilustre casal alugava uma casa para o Bradesco por R$10 mil/mês, e que a residência dele tinha sido objeto de uma reportagem numa revista de decoração, pelo bom gosto desta e pela deslumbrante vista para o Pão de Açúcar… Sua Excelência, tão presente e prolixa nas redes sociais, onde distribuía regras de temperança, honradez e moralismo religioso, desapareceu imediatamente do twiter. Vergonha? Recolhimento contrito em oração? Duvido…!

Paralelamente à incineração pública do justiceiro carioca pela grande imprensa, as sentenças dos desembargadores da IV Região foram publicadas e, devidamente lidas em sua essência escrita, passaram a ser analisadas, avaliadas e contextualizadas por advogados, juristas e constitucionalistas nacionais e estrangeiros, análises, avaliações e contextualizações devidamente publicadas pelos blogs sujos (a grande imprensa, como se sabe, não discute decisões judiciais, cumpre-as… se lhes interessa!) E o resultado não é nem um pouco favorável a Suas Excelências…

O relator  Gebran, por exemplo, nas 414 páginas escritas que leu em plenário (para que mesmo que existe o julgamento em plenário, com apresentação dos acusadores e dos defensores, se o desembargador já trás seu voto escrito de casa? Mais uma tradição hipócrita da Justiça brasileira?), foi explícito e enfático: “Lula foi um dos principais articuladores, senão o principal articulador, do esquema de corrupção da Petrobras”, o que prova que ele foi um atento espectador de uma famosa entrevista do engomado procurador Deltan Dallagnol, aquela em que ele usou um colegial power point para demonstrar a indiscutível posição de Lula como chefe máximo da corrupção na Petrobras. E, como tal, eu presumo, dono de milhões e milhões devidamente ocultos das instituições brasileiras…

Em seguida, o revisor Leandro Paulsen parece que não percebeu esta possível realidade (os milhões de Lula) e afiançou: “A absoluta despreocupação da Sra. Marisa Letícia e do Sr. ex-Presidente (…) acerca da diferença de preço a ser suportada para aquisição de um apartamento três vezes superior ao originalmente negociado, em cujo interior estavam sendo realizadas vultosas reformas, somente aponta em um sentido: não era com recursos pertencentes aos réus que o bem estava sendo adquirido.

Na brilhante interpretação de Sua Excelência, conforme bem observou o blogueiro Kiko Nogueira (este sim é considerado sujo), no Diário do Centro do Mundo, “para o doutor Paulsen, portanto, Lula e a mulher não tinham dinheiro para comprar o apartamento”. Ou seja, o capo di tutti capi, o Dom Corleone da Petrobras dependia das graças de um empreiteiro para transformar as cotas de um apartamento simples num tríplex de 250 m² na farofeira praia de Guarujá…! (Façam-me o favor! Se ainda fosse na Côte d’Azur… ou na Avenue Foch de Paris…!)

A grande imprensa não se demorou em conjecturas a respeito, pois com o sumiço do justiceiro Bretas do twiter, voltou-se para a Justiça em geral e publicou (oh! só agora?) que todos os juízes e procuradores, inclusive os  superiores, também recebem auxílio moradia, apesar de terem residências próprias no local onde exercem suas atividades. E é absolutamente legal!

Reportagem da Folha de São Paulo informa que “Mesmo tendo imóvel próprio no Distrito Federal, 26 ministros de tribunais superiores recebem dos cofres públicos auxílio-moradia para viver em Brasília. Donos de um dos mais altos salários da República – R$ 32.075,00, cada um deles tem o contracheque engordado todo mês em R$ 4.378,00 de auxílio para morar, sendo que alguns têm em seus nomes mais de uma casa em pontos nobres de Brasília.

Pouco tempo antes, reportagem de O Globo dizia que “com base nas informações salariais divulgadas pela primeira vez pelo CNJ (…) 71,4% dos magistrados dos Tribunais de Justiça (TJs) dos 26 estados e do Distrito Federal somaram rendimentos superiores aos R$ 33.763 pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) — valor estabelecido como máximo pela Constituição”, a imensa maioria em virtude do auxílio-moradia recebido por Suas Excelências, que não é considerado para efeito de teto (A Justiça também aplica o famoso ‘jeitinho’ brasileiro…!)

Evidentemente, R$4.378,00 em um país desigual como o Brasil, significam alguma coisa! Afinal de contas, pesquisa divulgada recentemente pelo IBGE revela que 50% dos trabalhadores brasileiros recebiam por mês, em média, 15% menos que o salário mínimo. O levantamento foi feito ao longo de 2016 por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) e, naquele ano, o salário mínimo era de R$ 880. Então, dos 88,9 milhões de trabalhadores ocupados no ano, 44,4 milhões recebiam, em média, R$ 747 por mês. Ou seja, arredondando o salário mínimo para o valor de hoje, quase R$1.000,00, 50% dos trabalhadores brasileiros estariam recebendo R$850,00/mês… ou, para ficar bem claro: apenas o auxílio-moradia de cada um de 17.000 juízes equivale a 5 vezes o salário total de 44,4 milhões de trabalhadores brasileiros…!

Mas Suas Excelências acham absolutamente legal isto! Como enfatizou tanto o vice presidente do STJ, ministro Humberto Martins à Folha de São Paulo (“Estou recebendo por força da decisão do Supremo e da resolução do CNJ. Não tenho opinião. A opinião é do Supremo e do CNJ”) quanto o herói da classe média brasileira, Sérgio Moro, ao Globo (“O auxílio-moradia é pago indistintamente a todos os magistrados e, embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1º de janeiro de 2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados”).

Então, através de uma blogueira, Helena Chagas (cujo blog, Os Divergentes, não é considerado sujo), a gente fica sabendo que o presidente Lula, logo ele, já tinha resolvido este assunto do auxílio-moradia da Justiça brasileira em 2005: “…Quando foi conversar com Lula no Planalto, naqueles idos de 2005, Jobim (presidente do STF, então) abriu o jogo: o auxílio-moradia, um ‘abacaxi’, era de fato uma gambiarra que servia como complementação salarial para os juízes, que na época ganhavam em torno de R$ 12 mil. O justo era acabar com isso, reestruturando a carreira, aumentando o salário e preservando o auxílio apenas nos casos de transferência de magistrados para lugares distantes. Lula concordou que juiz tinha que ganhar bem, e não por subterfúgios ou penduricalhos.  Acionou seu então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que ajudou a formatar a proposta e incluí-la no orçamento da União. O Congresso aprovou e a República achou que tinha ficado livre do auxílio-moradia dos juízes – até que ele voltou a ser universalizado, por decisão do ministro Luiz Fux, do STF, em 2014”.

Com apoio e aplauso de todas as associações de juízes e promotores e procuradores que proliferam no Brasil (só para lembrar: a filha do ministro Fux, que foi nomeada desembargadora no Rio de Janeiro com menos de 40 anos e logo após o pai virar ministro do STF (a filha do Marco Aurélio Melo também virou desembargadora cedo, mas o pai já era ministro há bastante tempo!), recebe auxílio-moradia, mesmo tendo dois apartamentos no Leblon…).

E daí, através da grande imprensa (Folha de São Paulo) a gente fica sabendo também que metade dos juízes que ganham salário-moradia em São Paulo têm casa própria, sendo que o campeão, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo José Antonio de Paula Santos Neto,  tem 60 imóveis registrados em seu nome na base do IPTU. E que, justificando-se ao repórter, o magistrado declarou considerar inadequado o pagamento do auxílio-moradia, “mas que o recebe porque todos os outros magistrados que têm imóvel próprio também recebem e que, na verdade, o penduricalho é uma forma de driblar a falta de reajuste do salário dos juízes”.

                E fica sabendo, também, que proeminentes figuras que vociferam contra a corrupção nesta mesma grande imprensa, como o engomado procurador Dalagnol, que comprou apartamentos do Minha Casa Minha Vida para especulação,  e o combativo empresário educacional e ministro Gilmar Mendes, que dispõe de bens imóveis no Distrito Federal, também recebem auxílio-moradia…

                Pode ser que eu esteja elucubrando erradamente, mas acho que esta geração de classe média formada durante e pós ditadura (entre 1968 e 1980) acreditou piamente num dos grandes ‘heróis’ brasileiros do tricampeonato de futebol, Gerson, o canhotinha de ouro, que, aproveitando a fama, protagonizou uma campanha publicitária de cigarros que marcou época:

Na base do “levar vantagem em tudo”, a classe média brasileira viveu os últimos 50 anos. E não aceita que gente da ‘classe inferior’, pobres ou de cor, também se insira no contexto, ocupando vagas nas universidades públicas, lugares nos aviões, apartamentos de 48 m² em condomínios habitacionais, fins de semana em shoppings…

E o culpado, como já ficou normal no Brasil de hoje, é o petismo, a Dilma e, principalmente, o Lula… O pior é que, desta vez, é mesmo!  Quem “mandou eles” indicarem pessoas comuns, medíocres, representantes das próprias categorias, para ocuparem os cargos mais elevados do poder judicial brasileiro? Como diz um velho dito popular: quem nunca comeu mel, quando come se lambuza…! E abusa, acrescento eu.

 

 

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