Eu sempre fui apaixonado por publicidade. Mais até do que inventar histórias ou escrever poesias. Acho que já citei aqui minha primeira incursão pública na ‘literatura’, uma poesia infantil sobre vaso e flores publicada no jornal oficial de Brazópolis, terra de meus pais, pelo editor, Georges, meu padrinho de crisma (tinha que ser, né?)… Desde esta época, o que me encantava mais eram os reclames nas rádios ou os anúncios, na verdade reclames ainda, passados na tevê em branco e preto que tinha lá em casa.
A vida seguiu, a tevê coloriu, a publicidade brasileira – muito provavelmente em função da criatividade delirante do nosso povo – tornou-se uma das mais premiadas do mundo. E eu, que abandonei a carreira traçada para mim – Medicina – e fui fazer Jornalismo, segui minha paixão natural. Apesar de ser considerado um ótimo manipulador das palavras, ideal para me tornar um editor – o que acabei sendo – e um escritor – que ainda pretendo ser – minhas primeiras tentativas profissionais foram no campo publicitário.
Depois de um esforço bem grande de alunos e professores do Curso de Jornalismo, a gente conseguiu aprovar um projeto de convênios com os donos da comunicação de Belo Horizonte, o que permitiu aos alunos fazerem estágios nos veículos de imprensa. A TV Globo, que ensaiava – a partir de suas relações “amorosas” com a ditadura – se tornar a grande potência que ainda é até hoje, tinha acabado de comprar a TV Belo Horizonte e prometia desbancar a TV Itacolomi, dos Diários Associados, o todo poderoso grupo do recém falecido Assis Chateaubriand, ainda uma audiência imbatível na parte central de Minas Gerais.
Eu era calouro (primeiranista) de Jornalismo, mas a maioria dos alunos de 3° e 4° anos já estavam trabalhando – nem todos em Jornalismo. Daí, alguns mais afoitos (e aptos) de 2° e 1° anos foram ‘ofertados’ para os primeiros estágios acertados: no Diário da Tarde e Estado de Minas, dos Diários Associados, no Diário do Comércio (o dono era pai de um segundanista), na Rádio Jornal de Minas, da Cúria Metropolitana, na Rádio Itatiaia, a emissora dos esportes, e na TV Globo Minas. O processo era simples: você era indicado e encaminhado para um dos veículos, passava por uma entrevista com um editor ou responsável pela área necessitada e era acolhido ou não.
Eu fui encaminhado para a Globo e minha entrevista não foi com o editor ou chefe de redação, mas com o responsável pela área de programação, um carioca de nome Panessa, assessor do já todo poderoso Boni, enviado a Belo Horizonte exatamente para cumprir a promessa feita: tomar o primeiro lugar de audiência da TV Itacolomi em 06 meses. Eu amei a ideia, exatamente porque eu ia trabalhar, basicamente, com publicidade e não bancar o repórter a correr atrás de notícias, algo que não era minha praia.
Panessa cumpriu o prometido: em 06 meses, a Globo disputava pau a pau o primeiro lugar de audiência com a Itacolomi, pelo menos em Belo Horizonte. E eu contribuí bastante para isto, o que é, considerando o que as Organizações Globo fizeram com este país, uma pequena mancha no meu currículo.
Na época, eu gostei muito: Panessa era um típico homem de televisão! Dormia, tomava café, almoçava, jantava, bebia e, com certeza, transava vendo televisão. No seu apartamento no Hotel del Rey, havia 04 televisões permanentemente ligadas, cada uma num canal. Assim como na área de Programação na tevê, onde trabalhávamos 05 pessoas: ele, um assistente executivo, um estagiário, eu, um operador e a secretária. Nossa função primordial era assistir – simultaneamente – a programação das demais tevês e comparar, continuamente com a programação da Globo. Ele chegava a, com um cronômetro na mão, verificar os segundos de atraso entre uma publicidade e a entrada de um programa. E a bronca era imediata se isto acontecesse.
No sábado, tradicionalmente um dia de menor audiência, havia uma espécie de “brainstorming” com nós cinco, do qual participavam gerentes de outras áreas, para planejar a forma de “vender” a programação da semana seguinte. Era disso que eu gostava porque, mesmo estagiário, perto dos presentes, um tanto ou quanto bitolados, eu tinha uma criatividade natural para apresentar ideias novas e ousadas para atrair o público, ideias que, aprovadas, eram transformadas em folhetos, material de imprensa e até spots inseridos nos intervalos comerciais durante a semana seguinte.
Antes de terminar o estágio, Panessa tentou me globalizar: eu teria um emprego que, depois de algum tempo, seria muito bem remunerado, mas minha dedicação precisava ser exclusiva à televisão, ou seja, tinha que abandonar faculdade, arrumar um lugar para morar onde pudesse instalar 04 aparelhos de tevê, dormir, comer, transar, viver televisão. A proposta até que me tentou… mas eu queria me formar, ter um diploma – já tinha decepcionado meus pais por não seguir Medicina, não iria desgostá-los mais por abandonar o curso que eu mesmo tinha escolhido…!
Saí de lá e fui estagiar numa rádio. Vez por outra, criava anúncios para um amigo de uma agência de publicidade. E acabei, junto com dois colegas de turma e uma veterana, minha primeira mulher, montando uma agência – Stylo, Agência de Redatores – que produziu muitos informativos, boletins, revistinhas para associações, sindicatos e até para a Associação Cristã de Moços de Belo Horizonte.
Depois, virei Chefe de Arte e editor de publicações de uma editora/gráfica, donde saí para ser responsável pela área de Comunicação de uma estatal, em Brasília. Publicidade tornou-se apenas uma discussão que eu tinha com as agências, quando apresentavam projetos e custos para campanhas, discussões estas não muito satisfatórias, já que minha empresa era técnica e não tinha porque fazer grandes e custosas campanhas publicitárias para o grande público televisivo, radiofônico ou jornalístico.
E por quê eu estou tirando estas reminiscências do baú da minha vida? Acho que porque estou sentindo falta daquelas publicidades que me encantaram durante tantos anos. Outro dia, depois de passar boa parte da madrugada escrevendo/digitando, me dei o direito de não fazer absolutamente nada: sentei em frente à televisão e fiquei zapeando os canais fechados e abertos durante boa parte do dia, prestando atenção nos anúncios e não nos programas. Não há absolutamente nada que me emocione… que arrepie os cabelos dos meus braços, que me faça querer comprar algo desnecessário ou aprender uma nova língua ou viajar para as Bahamas ou, até mesmo, ir para um supermercado e encher uns dois carrinhos de mercadorias, a maioria desnecessária…
É verdade que a publicidade globalizou-se. Creio que não há mais nenhuma grande agência brasileira, todas são multinacionais… E a uniformização acabou com a criatividade brasileira, com a audácia que a publicidade nacional sempre teve. Anúncios marcantes como “O primeiro sutiam a gente nunca esquece”, que incendiou nossas mentes juvenis, ou “Nescau, gostoso como um tarde no circo” ou o “baixinho da Kaiser” ou o tímido e as 1001 utilidades do Bom Bril ou as dezenas (centenas?) campanhas da Coca Cola, da Parmalat e da Volkswagen…
O fato é que a última campanha publicitária que arrepiou os pelos dos meus braços é de 07 anos atrás, depois de um longo tempo sem que isto acontecesse. Foi do Grupo Pão de Açúcar e chamava-se “O que faz você feliz?” A voz modulada, pouco emocional, declamando um texto de rimas naturais sobre imagens de situações felizes, entremeadas de imagens de supermercado, conquistam você, levando-o a pensar no Pão de Açúcar (ou Extra) na hora de ir fazer compras no supermercado.
Mas, muito mais do que isto – o que é a essência da publicidade – levam você a pensar um pouco além do verbo vender… Levam você a pensa na vida que você leva, nas coisas que te cercam, naquilo que é realmente importante para você: a família unida comendo pipoca, os filhos andando de bicicleta, a neta nos seus ombros colhendo pitanga, os amigos assando churrasco e tomando cerveja, os lençóis macios e as roupas pelo chão…
Infelizmente, não há criatividade que resista ao que o Brasil se tornou a partir de 2010. Nem há, hoje, resposta afirmativa para a pergunta original – o que faz você feliz? Se alguém tiver uma resposta, ficarei feliz se me disserem qual é…
Um bom livro.
Cafezinho a tarde.
Mar, areia, brisa maritima.
Dormir qdo cansada.
Otimismo diante de dificuldades.
Meus filhos e sobrinha. Mãe.
A estranha certeza de que se dar importancia é um vacuo vazio e sem fim.
Minhas botas de inverno. No inverno.