Eu nunca fui corajoso. Digo corajoso naquele sentido que a cultura brasileira da minha época de jovem dava: o garoto sem medo, orgulho do papai, que enfrentava tanto outros garotos da rua, quanto pegava bonde andando ou era o primeiro a “chegar” nas meninas, mesmo sem saber o que isto realimente significava…
Lembro bem da minha primeira “aventura” heroica. Eu já vestira o meu papel de ‘Professor’, personagem de Capitães de Areia (que já citei em De medo e covardia) e, como leitor compulsivo, acabara de ler Encontro Marcado, de Fernando Sabino, um romance maravilhoso que descreve, em parte, a juventude do autor e seus amigos pelas ruas de Belo Horizonte.
Uma das passagens mais marcantes é um desafio que eles se fizeram de subir o arco do Viaduto de Santa Tereza, algo que eu achei fantástico para propor a alguns dos membros da minha turma como prova da coragem que eles viviam se jactando de ter (eu disse que nunca fui corajoso, mas sabia ser sacana o suficiente para que ninguém percebesse isto).
Eles toparam fazer isto e num sábado à noite, a gente inventou uma festa na casa do Paulinho Doró, para chegar mais tarde em casa, e, lá pelas 11 horas, caminhamos para o Viaduto, que ficava a uns 03 quarteirões da nossa rua. Para meu júbilo interior, ninguém conseguiu atravessar o arco de um lado a outro… O espaço para andar é relativamente largo, mas o risco de cair e se arrebentar, ou até morrer entre os trilhos que corriam lá embaixo, era muito grande.
Mas os três que foram – dois disseram que os pais não os deixaram ir à festa – conseguiram dar alguns passos no arco… eu, não! Só para subir na amurada do Viaduto e ficar sentado/agarrado nela, eu gastei toda a adrenalina que eu provavelmente iria gastar em um ano inteiro de vida normal, só com os pequenos sustos e atropelos do dia a dia. Mas foi meu primeiro grande desafio – pelo menos, eu tive coragem de ir!
Com o tempo, outras aventuras pintaram:
– explorar o ribeirão que corria através do Parque Municipal: quando ele estava mais seco, a gente descia as barrancas e saía pulando de uma margem à outra e, usando galhos ou varas recolhidas no caminho, ficava fuçando qualquer buraco ou toca que aparecia no caminho, para ver se saia alguma cobra ou outro bicho qualquer… Adrenalina pura!
– acampar atrás do Palácio das Mangabeiras – naquela época, a região das Mangabeiras só tinha a residência oficial de verão do governador de Minas (hoje, são dezenas de bairros residenciais, além de um belo Parque); a aventura consistia exatamente em armar a toalha do piquenique (barraca de camping é coisa moderna, gente!) depois do Palácio, passando, sem ser descoberto, pelos guardas que vigiavam o local;
– atravessar a Serra do Curral, do bairro da Serra, em Belo Horizonte, até Nova Lima, passando pelas torres de TV; era uma caminhada longa, cheia de subidas e descidas, com riachos e quedas d´’aguas para transpor, mas só havia um grande perigo: perder-se pelo caminho e a noite cair sem a gente ter chegado ao destino, ou chegar lá já de noite, pois não havia ônibus para Beagá;
– montar uma égua no cio: fugindo do meu padrão tímido e recolhido, uma das coisas que eu gostava de fazer quando passava férias em fazendas de tios ou avô, era andar a cavalo; numa viagem ao interior, com amigos do trabalho, para o casamento da irmã de um deles, fui dar uma de machão e resolvi montar uma égua, que estava no cio… De novo, gastei toda a adrenalina para todo o ano seguinte!
Depois, começaram as aventuras que eu realmente gostava: viajar… de preferência dirigindo um carro! Pequenas ou grandes aventuras: de Belo Horizonte a Montevicéo/Buenos Aires, num fusca sem documento, de Belo Horizonte a Brasília, e daí, de ônibus, a Belém do Pará (a Belém-Brasília ainda não era asfaltada), de Brasília a Natal, pelo sertão, e de Natal a Brasília, pelo litoral, de Porto Velho a Vilhena, de jipe, e dezenas de outras, pelo interior dos Estados, conhecendo o Brasil real. Cada uma merece seu capítulo à parte, mas este é dedicado à última aventura: um ancião e seu galho-cajado subindo a trilha em busca da bela cachoeira! (continua)