Ressaca

Ressacas, por melhores que tenham sido as farras do dia anterior, são dolorosas. Física e moralmente. Além da cabeça pesada, do gosto de guarda-chuva molhado na boca, da vontade de vomitar a qualquer cheiro mais forte, a sensação de ter perdido seu próprio controle e bebido muito além do que devia, é arrasadora sobre sua alto estima.

Mas, há ressacas sem bebidas antecedentes. Quando você estava muito envolvido numa disputa, a final do campeonato brasileiro, por exemplo, quando seu time é um dos disputantes… e perde! O dia seguinte desaba sobre sua cabeça, na forma de gozações de todos os amigos, cunhados, colegas, nas manchetes dos jornais, na repetição interminável dos gols do adversário e da festa da torcida…ressaca 1 ressaca 2 torcida 1

Sem qualquer exagero etílico ontem, hoje estou de ressaca: o impeachment da presidenta Dilma passou na Câmara, por 367 votos a 135, uma verdadeira “lavada”. Minha ressaca, porém, não é pela derrota acachapante que, como eu escrevi ontem (Vésperas), já estava esperando… É pela certeza de que minha geração falhou em tornar o Brasil uma democracia sólida e institucionalmente segura contra golpes, quarteladas e que tais. É pela certeza que a mesma juventude que, num dia,  lutou contra uma ditadura criminosa, que a mesma juventude que, noutro dia, cantou, de peito estufado, o hino nacional, enquanto o Deputado Ulisses Guimarães, do PMDB, proclamava a Constituição-Cidadã, não soube legar a seus filhos o respeito à democracia construída nas ruas, a reverência à constituição escrita e proclamada por toda a Nação.

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Há 24 anos atrás, noutra sessão memorável, a Câmara dos Deputados aprovou o impeachment do presidente Fernando Collor:  naquela ocasião, os que votaram sim no impeachment representavam as forças que votaram não ao impeachment de Dilma, ontem. Apesar das posturas opostas, a cantilena foi a mesma: a imensa maioria votou SIM, bem tonitroante, em nome da família ou dos filhos, das cidades pelas quais foram eleitos, “do meu querido” Estado e de Deus, ou da igreja evangélica a qual pertencem; teve um, até, que votou em nome do sobrinho!

Segundo levantamento posterior, apenas dois deputados – eu disse DOIS deputados – citaram os motivos para responsabilização da presidenta, as pedaladas fiscais e a assinatura de créditos sem autorização do Congresso que, verdade seja dita, não são crimes de responsabilidade puníveis com o impeachment.

E há aquelas figuras imbatíveis na demonstração de uma hipocrisia explícita, como a deputada Raquel Muniz, do PSD/MG, que disse: “O meu voto é  pra dizer que o Brasil tem jeito, e o prefeito de Montes Claros mostra isso para todos nós com a sua gestão”, dedicado ao seu marido, exatamente o prefeito, que foi preso hoje, o dia seguinte, por usar meios fraudulentos para favorecer o funcionamen35 ladrõesto do hospital dele e de sua família, inviabilizando, ao mesmo tempo, a operação de outros hospitais de Montes Claros.

Ou do deputado que deu o voto decisivo para o impeachment, Bruno Araújo, do PSDB/PE, que aparece na lista da Odebrecht apreendida pela Polícia Federal e encaminhada ao STF pelo juiz Moro, mas que não sentiu qualquer constrangimento em dizer da honra que o destino lhe reservou… “de poder da minha voz sair o grito de esperança de milhões de brasileiros”.

Bem como aqueles que aproveitam a atenção de milhões de brasileiros para darem seu recado, sem sentir quão ridículo é o recado que está dando: “pela Família Quadrangular”, “pelos maçons do Brasil”, “pelo fim da rentabilização de desocupados e vagabundos (?), “pela renovação carismática”, “pelos princípios que ensinei a minha filha”, “pelo fim dos petroleiros…, digo, do Petrolão”, “pelo aniversário da minha neta”.

E, claro, não podia faltar nesta geléia geral, a figura patética e perniciosa Bolsonaro-agredindo-Aroeirade um Bolsonaro, a homenagear um torturador da ditadura, associando-o diretamente às torturas sofridas pela presidenta: “…pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra,  o pavor de Dilma Roussef.

Está aí uma ressaca que vai custar muito para passar…

 

2 comentários em “Ressaca

  1. “Esperto é o alcoólico: não tem ressaca. Engata um pifão no outro”. (Anônimo).
    Depois de acompanhar a sessão plenária do STF que debateu (e decidiu) a pauta sobre a disposição geográfica, incluindo a minudência da latitude das Capitais, para estabelecer o rito das votações sobre a admissibilidade do impedimento da senhôra Dilma Roussef, na Câmara dos Deputados, por mais de seis horas, embriagado pela erudição, verborragia e “juris sapientiae” dos impolutos Ministros daquela Corte.
    Depois de acompanhar aos debates preliminares e a votação individual dos insignes parlamentares (casa cheia!!!) por mais de sete horas, temi que estivesse no limiar de um coma alcoólico. Pior, que o salaminho que ingerira ao longo do evento estivesse impregnado com LSD!
    Aí, vieram os comentários na mídia televisiva. Pronto! Trocaram meus cigarros de tabaco contaminado por mais de 4700 substâncias tóxicas por “sativa canabis”… Nos recorrentes “flashes” que as TVs exibiam dos acontecimentos, eu via e ouvia um Ministro Marco Aurélio Mello falando como se estivesse imerso num caldo espesso, a voz toldada pelas entonações silábicas; o Ministro Celso Mello carregando no “t” mudo da palavra impeachmentttttt; o Ministro Gilmar Mendes com o tom grave de um Jean Marais tupiniquim, fazia com que o lábio inferior se projetasse, lembrando aqueles garotos birrentos.
    E a sensação de estar flutuando naquele miasma surreal se acentuou com as manifestações dos deputados ao vocalizar seus votos: um Tiririca se aproximando do microfone sob uma saraivada de tapinhas nas costas com um sorriso de Esfinge e um Paulo Maluf com um pseudo sorriso meia boca e… tcham…tcham…tcham… dizerem: “Senhor Presidente! Meu voto é “SIM”! Curto e grosso. Caí da cadeira.
    Acordei no outro dia com uma sensação de que fizera uma viagem insólita, absolutamente sóbrio para chegar a algumas conclusões a respeito da diversidade social, ideológica, econômica, antropológica e demais pontos-de-vista do “homus cordialis” brasileiro.
    Somos jovens de apenas quinhentos aninhos. Ainda ouvimos historinhas da Carochinha e nos emocionamos. Ainda não aprendemos a FAZER História: o ex-presidente Collor PODERIA ter feito História ao se tornar o primeiro presidente eleito democraticamente depois de vinte anos de um regime de excessão. Preferiu ser
    defenestrado. A (ainda) presidente Dilma PODERIA ter feito História ao se tornar a primeira presidente mulher deste País. Preferiu ser um fantoche incompetente de um titeriteiro inepto. A novela continua. O Brasil permanece nas seções policiais dos principais meios de comunicação aqui e alhures: uma presidente nos instantes finais de um jogo em que não há inocentes, um presidente da Câmara dirigindo uma carreta de acusações e sem freio, um presidente do Senado mais enrolado do que arame farpado. Um magote dos ditos representantes do Povo com vasta folha- corrida do que curriculum vitae. A fina flor do empresariado brasileiro (ou do PIB nacional, como queira) regando as hortas nada republicanas do serviço público.
    Resta a esperança concentrada (já é clichê tupiniquim…) no Ministério Público, no juiz Moro, na tarefa executiva da PF. Oxalá os holofotes da celebridade, notoriedade e exposição intensa não os ofusque , desviando-os do curso. E nos milhares de anônimos cidadãos brasileiros que mourejam quotidianamente para sobreviver e não se contaminam com a desesperança, o ceticismo e a desistência de que este País superlativo geograficamente ainda se torne uma Nação em que seus filhos de orgulhem de ser brasileiros… não somente um estribilho entoado em eventos esportivos sazonais. AMÉM!!!

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