O dia em que o governador pousou lá em casa e tropicou na minha grama! (I)

Agora não daria mais, mas à época que isto aconteceu, a chácara onde moro tinha uma área gramada de 04 mil m² que dava perfeitamente para descer um helicóptero – hoje a área tem árvores ou projetos de árvores que, no futuro, serão a minha reserva natural, uma exigência para quem possui terras em lugares de preservação ambiental.

Não fazia muito tempo que eu tinha me mudado para cá, depois de construir minha casa. Estava me adaptando à calma do campo, ao som matinal dos passarinhos, ao galo madrugador e à água do poço semi artesiano, sem cloro, quando uma notícia de jornal assustou a mim e a todos que moram neste paraíso: a água da região estava contaminada por benzeno!

Antes de chegar no governador, há uma longa e, infelizmente, pouco edificante história que se repete a todo momento em todo e qualquer recanto do país, histórias que envolvem políticos interesseiros, ações escusas, irresponsabilidades técnicas e analfabetismo político de uma população, mesmo daquela com um verniz cultural adquirido em escolas privadas e universidades idem ou públicas.

Tentarei reconta-la aqui do modo que a escrevi há uns 12 anos atrás, e que não foi publicada então, por “desinteresse evidente” da imprensa local, mesmo a considerada alternativa, ambas sustentadas, direta ou indiretamente, em grande parte, pelas verbas publicitárias de governos e estatais.

      Os fatos, na visão bem isenta do jornalista que os relata

            Nas férias escolares de julho, a caixa d’água do único centro de ensino fundamental da minha região (uma área rural há 30 km do centro da capital) passou por reformas há muito cobradas por sua direção. Ao começar o segundo semestre do ano letivo, alunos e professores perceberam um cheiro/gosto estranho na água que a engenheira responsável pela obra classificou como normal, considerando o tipo de reforma executada na caixa d’água.

Alunos professores, dirigentes da Escola não acharam a mesma coisa. Reclamaram junto à Regional de Ensino, pediram providências à Secretaria de Educação e, algum tempo depois – há sempre papéis, assinaturas, carimbos, dúvidas políticas entre uma solicitação e seu atendimento – técnicos em saúde constataram a contaminação da caixa d’água por benzeno, presumivelmente como consequência de sua impermeabilização, feita com manta asfáltica, que contém tal produto. O poço foi interditado e, para não interromper as aulas, um recurso sempre adotado quando algum problema atinge uma escola, caminhões-pipa passaram a abastecer o reservatório d’água.

Não houve mudança da cor, do cheiro ou do sabor da água: continuaram estranhos… Mais papéis, mais assinaturas, mais carimbos, mas consultas políticas ‘in off’… até que a Secretaria de Educação acionou, oficialmente, a Secretaria de Saúde, que acionou sua Divisão de Vigilância Ambiental, que acionou a CAESB, que acionou a Central Analítica do Instituto de Química da Universidade de Brasília (ufa!!!), que coletou amostra d’água do poço profundo da Escola, constatando, quem diria?, sua contaminação por benzeno!!!

Como? Por quê? No Lago Oeste??? Área de preservação ambiental, zona de amortecimento do Parque Nacional de Brasília??? Deus nos acuda!!!

Os fatos – versões? – para o público,as autoridades e os comunicadores

Em princípios de outubro, dois meses após o fato inicial, espertas e interessadas bocas sopraram em sempre curiosos ouvidos  jornalísticos que poluições havia no ar, além de aviões e urubus… Ou melhor, na água, e os telejornais locais da TV Globo e o principal jornal do Distrito Federal, o Correio Braziliense, imediatamente secundados pelos demais, divulgaram reportagens “exclusivas” sobre água contaminada por benzeno encontrada na minha região, um núcleo rural muito perto do centro da cidade, formado por muitas chácaras de dois hectares, onde a especulação imobiliária característica de Brasília vinha sendo tenazmente combatida pela associação local, representante da região.

Assunto local de maior repercussão em toda a imprensa da capital durante uns 15 dias, minha região, um lugar bucólico, de árvores e flores por todos os lados, de mugido de vacas e relincho de cavalos, de revoada de pássaros coloridos, tucanos, sabiás, pica-paus, andorinhas e curicacas, de verduras e frutas sem fumigantes, um imemorial cheiro de terra molhada quando chove e uma única pista asfaltada que a limita com um parque nacional preservado, o lugar que escolhi para viver e morrer, tornou-se um perigo…! E um perigo que tinha que ser sanado pelas autoridades públicas imediatamente!

E tome chamadas de TV e manchetes de jornal:

“As pessoas começaram a passar mal, começaram a fazer vômito, colocar sangue pelo nariz e sentir dor de cabeça, tontura…” (DF TV 1ª edição, 04/10); “O estômago dela estava muito inchado, parecendo que eram gases. Ela sentia dor de cabeça e vontade de vomitar…” (DF TV, 1ª edição, 08/10); “Secretaria de Saúde confirma contaminação no Lago Oeste” (Correio Braziliense, 14/10); “Uma das dúvidas sobre a água contaminada com benzeno no Lago Oeste foi esclarecida ontem: todo o lençol freático da região está contaminado” (Jornal de Brasília, 15/10); “Nós devemos ter uma ação preventiva. Principalmente, não utilizando a água da região para uso humano. Não fazer comida, não tomar banho…” (Nilo de Abreu, sub-secretário de Defesa Civil, entrevistado pelo DF TV 1ª edição, 17/10); “… os resultados (da análise da água feita pela UnB) serão considerados como definitivos e não terão contraprovas, (devendo) os moradores nã beberem água de seus poços…” (Miriam dos Anjos, diretora de Vigilância Ambiental, no Correio Braziliense, 17/10); “Clima de apreensão e medo no Lago Oeste” (Jornal de Brasília, 18/10); “Moradores não devem usar água nem mesmo pata tomar banho” (Jornal de Brasília, 19/10); “Porém, é importante observar que boa parte dos moradores da região tem uma parcela de culpano caso” (Jornal de Brasília, em editorial de 20/10); “O governo alerta que o benzeno pode contaminar frutas e verduras produzidos ali, que são vendidas  na Ceasa e em supermercados e sacolões da cidade” (Jornal de Brasília, 20/10); “Pela conclusão do governo, 320 poços profundos do Lago Oeste estão contaminados” (DF TV 1ª edição, 21/10); “Para o toxicologista Otávio Brandão, o nível de intoxicação da água é extremamente alto: ‘as pessoas que tomaram dessa água devem ser monitoradas por dez anos, porque podem ter um bloqueio de medula que, no futuro, pode causar câncer no sangue” (Jornal de Brasília, 21/10); “O governador Joaquim Roriz classificou o caso do Lago Oeste como o problema mais grave que está sendo enfrentado pelo governo” (Jornal de Brasília, 21/10).

(continua)

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